19 de junho de 2014

Conto do Luneverso ― Nos trilhos do sangue

I
17 de Junho de 1987

Eu tinha vinte e dois anos quando isso aconteceu. Recém-saído do exército americano, recém-feito um parapsicólogo e recém-feito um membro da Organização ao qual me chamavam de Cavaleiro. O nome? John Hengerman, o coiote de metal.
Fui mandado pela Organização para uma demanda de nível C. Uma caçada como só aqueles que pudessem fazer poderiam, meus parceiros ― Hélios e Alice Lunewalker ― estavam ocupados em uma missão no norte da Ásia, não poderiam vir comigo. Cavalgando em um cavalo negro, um arredio de puro-sangue inglês, rumo ao oeste do país. Três dias de cavalgada com poucas paradas, o caminho arenoso me levava cada vez mais para o deserto. Rumo a Santa Ana. Uma das poucas cidades que conservavam o título de “Cidade fantasma”, mesmo com os duzentos moradores que a habitavam. Minha pequena diligência me deixou a meio caminho, eram minhas ordens, ninguém poderia saber o que estivesse fazendo.
Meu diário em um dos bolsos do sobretudo de tecido marrom e sujo, anotando todas as minhas memórias sobre a expedição, a poeira tomando conta de meus olhos. Eu sentia falta de meu carro, mas ele não poderia passar pelos lugares onde esse cavalo passaria, Espírito era o melhor dos cavalos que a Organização dispunha. Eu confiava nele e ele parecia confiar em mim, em todas as paradas eu o deixava beber água pelo tempo que lhe fosse necessário, mesmo que isso atrasasse a diligência.
Chegamos a Santa Ana sozinhos, como deveria ser feito, uma noite estrelada composta pela falta da Lua. A cidade pacata seguia pelo caminho dos trilhos de Sam C., um velho fazedor de armas que decidira unir cinco cidades por uma rota de trilhos, com apenas dois trens seguiam essas rotas de ferro, era composta por pequenas casas erguidas em pedra ou madeira ruim, o típico ar do velho-oeste que vemos nos filmes de Clint Eastwood ― que pessoalmente era um de meus atores favoritos ― e que tinham para todos os lados calçadas de tábuas e dois saloons onde, quando a noite caia, os homens da cidade se dirigiam para beber e, muitas vezes sem sucesso, brigar.
Um corpo estava dependurado sobre a placa de entrada rústica da cidade, a madeira podre quase não aguentava o corpo, que afrouxava as pilastras e fazia a placa pender para o lado esquerdo. Sorri sozinho e segui as estradas de ferro dali. Era um dos últimos lugares da nação em que a industrialização não havia chegado, ainda.
Deixei Espírito próximo a uma cocheira simples com três cavalos baios, ao lado de uma pequena caixa onde ele poderia beber água junto aos outros. Desci Dele e olhei a minha volta, eu estava próximo ao saloon, verifiquei minha velha Colt e endireitei meu chapéu. Decidi entrar, se alguém saberia de algo seria ali.
A verdadeira porta de um saloon se abre empurrando suas duas partes que ficariam balançando após um homem passar por ela, rangendo, mas aquele saloon não possuía uma. Parecia que o dono dormia ali todas as noites, dormindo abraçado em uma velha espingarda ao qual eu não duvidaria ter dado cabo de mais de trinta homens em noites diferentes. Afinal, ali era onde existiam os últimos cowboys verdadeiros da América.
Sentei-me ao balcão, ao lado de um velho índio de roupas pardas que tinha uma longa trança branca e um padre de grande estatura, provavelmente ele também era o prefeito, cidades pequenas costumam atribuir muitos títulos a uma mesma pessoa.
― Quero o uísque da prateleira de cima ― disse ao barman.
Um homem de idade avançada, mas com um sorriso maroto sob o bigode espesso, barriga saliente e expressão mal-encarada. Ele sorriu por debaixo de todos aqueles pelos, colocou a mão sobre o balcão, era uma mão grossa, os pelos de seu braço iam até a metade de seus dedos queimados pelo sol, e disse:
― Você deveria parar de ver esses filmes, garoto, eles só estragam sua cabeça ― o sorriso amarelado continuava a minha frente, enquanto meus companheiros de balcão também sorriam ― Só temos uma prateleira aqui.
― Então é desse mesmo que eu quero ― continuei com minha postura de que era daquelas terras, eu precisava convencer.
― Você não é daqui. O que quer? ― o padre virou para mim, perguntando. A batina longa estava suja e as pontas estavam rasgadas. ― Forasteiros não duram aqui ― ele colocou a mão sobre a bíblia a sua direita ― Parece um péssimo agouro, entende?
― O padre tem razão ― ouvi o índio dizer, virando seu copo de madeira ― Gente de fora não dura. Ainda mais sob essa lua.
― E o que tem nas luas de agora? ― perguntei para eles, voltando meu olhar para frente ― Quero saber do xerife.
O índio puxou da túnica que vestia, por baixo do casaco, uma estrela dourada ― eu não devia me surpreender por tanta semelhança com os filmes, mas ainda assim me surpreendi ―, aquele era o xerife de Santa Ana. Não achava que um índio pudesse chegar a tal cargo em uma cidade, mas me pareceu que eu estava sendo preconceituoso por causa de tantas influências cinematográficas e pelos quadrinhos que estava lendo.
― À noite os trilhos tomam vida e os trens desaparecem, rapaz, não se costuma ter muita fé por aqui nos dias de hoje.
― Por isso se vê um padre no saloon com o xerife indígena? ― perguntei. Movimento errado. Quando dei por mim, estava no chão de madeira suja, mas não havia sido nem o padre nem o xerife que havia me derrubado.
― Escuta aqui, moleque, ninguém insulta o clero aqui em meu estabelecimento ― o barman me disse ― Não enquanto eu estiver vivo e outro assumir meu lugar.
Por um momento pensei em puxar minha arma do coldre, mas aquilo seria levar-me pelas emoções e eu não poderia fazer isso, não antes de resolver o caso em que estava trabalhando. Levantei-me, passei as costas da mão em meu queixo e limpei o pouco sangue que escorria, ele tinha me quebrado um dente. O barman era mais forte do que parecia. Bem mais forte.
― O que há por essas terras? ― perguntei, tentando parecer durão, mas eu era apenas um rapaz de poucos anos em meio aos adultos. ― Algo que deveria assustar as pessoas de mente fraca?
Eu não deveria ter feito a pergunta assim, mas meu reflexo de parapsicólogo se deixou tomar conta do meu raciocínio e eu não o contive. Eu não podia me demorar muito ali, precisava voltar para a sede da Organização sem maiores problemas. Minhas ordens eram simples, resolver o caso, pegar o que tinha que pegar e voltar.
― Homens que matam outros com os dentes ― o xerife disse ― No caminho da estrada de ferro, eles cavalgam em corcéis negros com asas gigantescas e rasgadas, caminham pela noite e surgem da escuridão. Levam o que querem, somem com o que querem.
Ele era bastante eloquente apesar de ser um índio, pra mim parecia ser um mestiço. O que poderia explicar seu cargo na cidade. Eu olhei para ele, tentando parecer respeitoso de alguma forma, percebi que ele tinha muito mais cicatrizes no rosto do que eu. Ele tinha me dado informação suficiente para que eu já pudesse atuar naquele lugar e desaparecesse dali para nunca mais, mas ele ainda não havia terminado.
― Só um homem sobreviveu e ele não é de conversa. Sequer pode ser chamado de homem ― ele disse ― Jack Oldwest, um andarilho do oeste perdido, ninguém o vê quando ele não quer ser visto, ninguém o encontra quando não dá para ser encontrado.
― Quem é esse andarilho? ― perguntei interessado, ele parecia ser do tipo que a Organização se interessaria.
― Uma lenda. Não é vivo e nem morto. ― o barman disse ― Um homem da justiça que cavalga do oeste para o leste e em seu caminho limpa as trilhas por onde passa.
― Eu já o vi ― o padre disse ― Uma vez, quando era garoto, vi sua silhueta passando pelo pôr-do-sol.
Parecia uma história antiga feita para encantar garotos jovens, eles sorriam enquanto falavam desse tal andarilho. Por mais que me parecesse uma história de ninar, para eles era uma lenda real. A Organização nunca o havia mencionado, mas é algo possível, eles poderiam não saber de sua existência segundo as histórias. O que não se quer ser sabido, não será.
Tomei mais uma dose de uísque e perguntei onde poderia passar a noite. O barman me indicou as escadas de seu próprio estabelecimento, informei-o de Espírito e ele disse que ele ficaria bem junto aos outros cavalos, agradeci e joguei-lhe algumas notas. Deveriam bastar por minha estadia.
Meu quarto era tão rústico quando o saloon era. Uma cama com colchão fino, feito de palha, com um lençol velho e mal cheiroso. Uma pequena cômoda com a bíblia ao lado e uma janela mal feita, provavelmente um lugar onde prostitutas serviam aos clientes. Um quarto apertado, mas serviria para passar a noite. Deixei meu chapéu ao lado da bíblia e o casaco na cabeceira da cama, as botas sujas próximas ao pé da cama. Tirei meu diário e anotei algumas informações sobre aquela demanda. Deixei-o no chão e adormeci quase imediatamente após deitar.

II
O sol estava alto quando acordei. Joguei a pouca água que tinha no quarto em meu rosto para acordar realmente e calcei minhas botas, que pareciam estar mais sujas do que quando fui dormir. O casaco posto e o chapéu de caçador em minha cabeça, saí do quarto e desci as escadas de volta ao saloon, já havia bêbados ali. Nenhum dos homens da noite anterior estava ali, exceto o barman ao qual eu não tinha perguntado o nome.
Pedi outro uísque para começar meu dia e o tomei em silêncio. O calor atacava sem piedade, mas ninguém parecia se importar ― até pareciam gostar ― e bebiam entre brigas e mais brigas, todas apartadas pelo barman que apenas os olhava feio e percebiam, logo se aquietando.
Saí dali e passei por Espírito, ele bebia sozinho um pouco d’água e me olhou com um olhar de dar medo, “quando sairemos daqui?” parecia perguntar. Apenas passei a mão em sua crina e continuei meu caminho. Eu precisava ver as estradas de ferro.
Todo o caminho de metal era composto por carreiras preenchidas por entalhes curvilíneos e inscrições de linguagens antigas. Passei minhas mãos por elas, eu não tinha o que os outros membros da Organização tinham, cada um deles parecia ter uma ligação muito maior com o Mundo Cinza do que eu tinha, mas eu era esperto. Eu conhecia as coisas melhor do que ninguém. Cada buraco em cada lenda, cada detalhe que pudesse escapar preenchiam a mente, mas nada me era mais fácil de conhecer do que os caminhos feitos para proteger de mortos-vivos e entidades soturnas. Aquele era um caminho que fechava uma parte do país contra tudo.
Voltei para meu quarto e tirei alguns dos livros que havia trazido comigo e voltei para o saloon, ouvindo ao longe, por de trás das páginas dos livros, as conversas das pessoas. A grande maioria era coisa inútil sobre o dia-a-dia daquela cidadezinha, mas algumas diziam coisas interessantes sobre meu caso. Bares sempre foi o antro da escória para saber-se do que ninguém mais teria coragem de dizer em outros lugares, salvo exceção igrejas em confessionários, mas eu não era um sacerdote para ouvir confissões, estava longe disso, minha vida era resumida em aprender e aprender, sempre para poder beber e transar com mulheres que pudessem me interessar ― um hábito que Hélios não gostava, mas ele estava para casar, ele não poderia mais me acompanhar nessa vida de boêmio.
Mas as conversas a que me referi antes me deram informações sobre a lua que viria ― cortesia de alguns índios ― e sobre o andarilho daquelas terras. Também ouvi sobre uma diligência de metal que se aproximava trazendo alguns homens e mulheres para o oeste, visando terminar a construção de metal das estradas. Foi esse meu dia, ouvir e estudar. Eu sabia o que tinha que saber e sabia o que faria. Cavalgar, caçar, matar, pegar o que queria e zarpar.

III
Naquela noite que se passou, cavalguei em Espírito ao lado dos trilhos em busca da diligência, mas o que vi não poderia ser descrito em lenda alguma. Ao menos não em minha pouca idade e pouco tempo procurando o que tinha que procurar.
Cavalos magros, negros, trazendo em seu dorso homens com aparências tão, ou mais, hediondas do que as deles. Homens de sobretudo e chapéus negros, rostos com nariz adunco e bocas rasgadas. Saltaram sobre o trem e rasgaram com as mãos a parte superior do trem como se ele fosse de papel, sem se importar comigo. Os braços saltados traziam membranas escuras que os fazia impulsionar para o ar, mantendo improvavelmente o equilíbrio com o movimento, jogavam-se para dentro e tiravam as pessoas dali, que gritavam e imploravam.
Puxei minha Colt e atirei neles algumas vezes, eles pareciam não se importar com os tiros, pareciam acostumados com aquilo. Um cavalgar distante veio em meu auxílio e tiros em seguida, alguns deles caíram do trem e outros escaparam, soltando seus reféns no chão, os reféns pareciam cair e não se moviam mais, mortos provavelmente.
O pistoleiro emparelhou com Espírito em seu cavalo branco, a arma em suas mãos expelia fumaça e o cheiro de pólvora preenchia minhas narinas, mesmo com o vento contra mim. A falta da Lua não me deixou perceber seu rosto, apenas sua longa barba e cabelo preso sob o chapéu de couro marrom. Ele fez um sinal para que eu o seguisse e eu o fiz. O trem seguiu seu caminho, como se nada tivesse acontecido.
O estranho me levou até um pequeno acampamento, que ele mesmo parecia ter erguido próximo aos trilhos. Ele desmontou de seu cavalo e o afagou. Desci de Espírito e levei a mão ao coldre, estava vazio.
― Procurando isso, forasteiro? ― ele ergueu minha arma a altura da aba de seu chapéu, eu não via seus olhos pela escuridão ― Não vai precisar disso hoje, não aqui. Não há tiros em minha morada, não antes das três.
Olhei para ele em silêncio. Ele puxou o gatilho de minha arma, mirando as pedras em círculo ao centro do acampamento, fogo surgiu. Não havia o que se queimar ali, mas tinha fogo.
Ele puxou do bolso do sobretudo uma garrafa marrom, tomou um gole e me ofereceu. Eu bebi, não era álcool, mas pareceu revigorar minhas forças. Eu me sentei, encostando-me em uma pedra, ele continuou de pé.
― Oldwest, não é? ― perguntei.
― É o meu nome.
― E o que você é?
― O que essas terras precisam que eu seja.
― Você fala bastante como um pistoleiro de filmes antigos ― comentei ― Não é um fanático, é?
― Não.
― E o que precisam que seja? ― eu precisava fazer as perguntas certas, ele não parecia de falar.
Ele tirou o chapéu. Os olhos brilhavam a luz do fogo, a barba crespa escondia grande parte de seu rosto. Ele tomou mais um gole da garrafa e sentou-se ao lado de seu cavalo, que agora descansava.
― A cura para o mal.
― Então você sabe o que são aquelas coisas, não é?
― Vampiros.
― No oeste? Onde o sol parece tocar tudo que existe? Isso é... Irreal ― eu disse.
― Não acredite em tudo que lhe dizem, não é inteligente ― ele respondeu ― Algumas coisas só existem por que a noite existe. Outras só existem por que querem que exista. Eu estou aqui por que o lugar precisa de mim.
― E o que acontece quando não precisarem de você?
― Eu estarei em outro lugar.
― E se não houver lugar?
― Eu não existirei, mas sempre precisam de mim. Enquanto houver oeste, eu vou cavalgar.
― Entendo.
Ele puxou uma bolsa de couro de trás de uma pedra e tirou uma arma de dentro dela. Uma arma de ferro negro, quatro canos, uma Magnum, jogou-a para mim. Ela tinha palavras entalhadas e estava carregada. Quem guarda uma arma carregada?
― Cria-paz.
― Perdão?
― Essa arma. Ela se chama Cria-paz. Se você quer me acompanhar nessa empreitada, forasteiro, você vai precisar dela. É um presente. Um presente do Oeste para quem vem do Leste.
― Como sabe que venho do Leste?
― Eu sei de tudo que acontece nessas terras, John “Coiote de metal” Hengerman.
― E o que vem agora?
― Esperamos.
― Pelo que?
― Eles virão. Sempre vêm até mim. Sugiro que descanse, vai cavalgar nessa noite desprovida de luz.
Tentei dormir um pouco ali, mas não tinha muito tempo. O andarilho permaneceu acordado, seus olhos voltados para o céu escuro. A arma que ele me deu em meu colo, pronto para o que estivesse vindo a nosso encontro.

IV
― Coiote, acorde ― Oldwest mexia em mim.
Levantei de um salto, arma em mãos. Apenas silêncio. Nem as estrelas podiam ser vistas, não havia nada ali. O fogo havia se apagado. Os cavalos estavam de pé. Oldwest subiu em seu cavalo e eu subi em Espírito. Ele trotou em silêncio para uma parte do deserto, eu o acompanhei.
― O que há? ― perguntei
― Vão chegar.
Nem bem ele terminou, ouvi os sons daqueles cavalos estranhos. O céu tinha manchas mais escuras e Oldwest atirou em alguns deles, eu tentei acerta-los, mas estava escuro demais para minha visão. Eu era apenas um humano e ele, pelo que parecia, era uma lenda viva.
Oldwest derrubou alguns dos cavaleiros no chão, os cavalos abandonaram seus guias e voltaram para os céus. No chão eu pude acerta-los, os disparos da arma que ele me dera eram muito fortes, eu quase não aguentava o coice dela, tive que prender minhas pernas ao torso de Espírito, que relinchou quando dei o primeiro disparo.
O primeiro monstro abatido, o corpo se desfez em cinzas e os outros, enfim, me notaram como uma ameaça ali. Enquanto Oldwest atirava nos voadores, eu me concentrava naqueles que caiam e tentava diminui-los, mas eram muitos. Cada vez que eu matava um e outro caia, parecia que mais alguns se juntavam aquele tiroteio.
― Coiote! ― Oldwest girou em seu cavalo, mirando atrás de mim, ele disparou e um dos vampiros tombou ― Não deixe a guarda baixa, lembre-se disso.
Um dos corcéis escoiceou o ar acima dele, tirando-o de seu cavalo. Ele caiu, mas logo se levantou, atirando em seu agressor. O cavalo se desfez assim como os vampiros se desfaziam quando eu os acertava.
― Eles não acabam nunca?! ― gritei.
― Vão acabar se nós permanecermos aqui enquanto tivermos forças.
― Isso não me parece um plano esperto.
― Isso não é um plano.
Ele disparou algumas vezes. Um corcel maior surgiu. Trazia um vampiro maior, mais deformado e mais sombrio. O frio da madrugada vinha com ele, acompanhando seu galope.
― Coiote! Atire!
Ignorando os vampiros que saltavam sobre Espírito, que os escoiceava, tentei atingi-lo, ao mesmo tempo em que o Andarilho o fazia. Os disparos atingiram seu cavalo, mas o cavaleiro não caíra. Ele continuou no ar, seus braços erguidos como asas, que se transmutaram em seguida, o rosto afinado e os olhos brilhando em vermelho vivo.
Oldwest disparou mais uma vez, eu disparei em seguida. O vampiro era rápido. A madrugada seguia cada vez mais rápida, o céu negro tornava-se azulado e os primeiros raios do sol vinham do leste. Eu tinha que recarregar muitas vezes, muita munição foi perdida e parecia uma luta sem fim, Oldwest parecia não se abater com isso, ele recarregava com velocidade incrível e voltava a disparar quase no momento em que sua munição acabava.
Quando o sol surgiu finalmente, o vampiro-rei deixou-se cair, a humanidade o tocara. Ele era apenas um homem seminu que havia tombado. Oldwest disparou nele, do corpo só restaram às roupas, presas e um medalhão. Os outros tombaram em cinzas quando o sol os tocara.
O Andarilho desceu de seu cavalo e apanhou aquelas presas e o medalhão, jogou-o para mim. E sorriu pela primeira vez.
― Era o que estava procurando, não é?
V
Cavalgando em Espírito de volta ao Leste, carregava comigo duas coisas, Cria-paz e o medalhão do vampiro-rei. A cidade onde minha divisão se estabelecera estava próxima, deixei Espírito em seu estábulo e tomei de volta meu carro. Dirigi até a sede e deixei o medalhão.
Estava decidido de uma coisa. Eu não teria aprendido algumas coisas sem aquela lenda. Eu tinha decidido o que faria como padrinho de casamento de Hélios e Alice. Eu sugeri a eles um nome para o primeiro filho. Um nome forte, um nome para alguém que fosse criado para ser aquele que fosse assumir meu lugar. Aquele que fosse garantir o legado de sua família.
Jack.
Jack Lunewalker, esse seria o nome dado para meu afilhado. Mesmo que eu tivesse que convencer Alice disso, mas eu tinha certeza de que ela aprovaria. E ela aprovou após ouvir minha história.
Uma caçada feita, uma demanda cumprida, uma lição aprendida. Eu era melhor do que tinha sido até agora. E graças a uma Lenda.

Mesmo que eu nunca mais visse aquele homem de olhos brilhantes, eu sabia que ele estaria em algum lugar pelo mundo. Em algum lugar, cavalgando do Oeste para o Leste, servindo como a cura para os males deste mundo. E eu não seria menos do que isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário