25 de junho de 2014

Meu top cinco de filmes!

Uma das coisas que eu sempre quis publicar aqui no blog era uma lista com meus filmes favoritos, o problema é que depois do número dois eu não sabia dizer quais seriam. Eu acabei demorando demais, mas por fim decidi falar sobre o que são meus favoritos até o momento.

Em ordem decrescente, estão os filmes. E lembre-se que é a MINHA lista, não estou levando em consideração qualquer coisa que possam dizer. Meu blog, minha opinião. Eu acho divertido tratar assim antes que comecem a comparar filmes e tentar submeter minhas opiniões para uma noção de “os melhores filmes já feitos no mundo”, essa lista é dos MEUS filmes favoritos.

5.      O Bom, o Mau e o Feio.

Um filme de western italiano. Com Clint Eastwood, um de meus atores favoritos. Uma história envolvendo três pistoleiros, durante a guerra civil americana, que estão em busca de uma grande fortuna (200 mil dólares roubados). Os três acabam envolvidos em uma mesma caçada pela caixa por motivos que os une diferentemente. Lembrando que Blondie e Tuco já foram parceiros de falcatruas antes, mostrado logo no começo do filme.
O filme inteiro se passa com poucas falas, afinal mata-se por muito pouco por ali, em contrapartida há diversas trocas de tiros. Nos primeiros minutos de filme se vê, pelo menos, três mortes em um saloon. O estilo desse filme me atraiu desde criança, eu sempre mantive o sonho de ser um pistoleiro do velho-oeste. Me levando a minha fantasia de pistoleiro em diversos eventos.


4.      Batman: The Dark Knight

O segundo filme da trilogia de Nolan. O favorito de muitos nessa trilogia, mas ao contrário desses muitos, gosto não por causa do Coringa, que ficou genial, mas eu gosto mesmo por causa do Duas-Caras. Harvey Dent ficou muito bem retratado nessa versão. O “cavaleiro branco” de Gotham. Promotor. Namorado do interesse romântico de Batman nos dois primeiros filmes.
A trama toda começa com Batman caçando o Espantalho, seguindo a sequência do primeiro filme, encontrando-se com Coringa após isso, que iniciou o caos na cidade. A origem de Duas-Caras, apesar de ele negar, se deve ao Coringa. Ele quem deu o estalo para a dupla personalidade de Harvey se manifestar.
Achei completamente genial a retratação dele nessa versão. Desde sua aparência mais semelhante a queimaduras até mesmo sua moeda de duas caras queimada em um dos lados, utilizada como meio de decidir as coisas. Uma maneira de deixar o caos agir acima das escolhas, julgando-se como um emissário do caos, deixando que o universo decida o que deve acontecer e o que não deve. DUAS-CARAS FICOU DEMAIS!


3.      Spirit, o Corcel Indomável.

Cavalos. Oeste. Liberdade. Três palavras que definem este filme. A história de um corcel, desde seu nascimento, que se nega a ser domando, mesmo com tudo que lhe acontece. A trilha sonora do filme é genial, tanto em inglês quanto em português (que eu prefiro), transmitindo a emoção completa de cada cena.
Espírito corre, sempre visando sua liberdade, nunca deixando nada tira-la dele. Em todos os momentos em que se vê que as coisas estão indo errado, ele sempre tem algo que o faz manter a cabeça erguida e continuar correndo. Ele é um verdadeiro cabeça-dura, talvez seja isso que me faça gostar dele. Eu também sou assim, nada me faz mudar de ideia quando decido por alguma coisa.


2.      Dez coisas que odeio em você

Um romance? É, e daí? Eu não posso gostar disso?
Dez coisas que odeio em você é uma história de romance adolescente, mas bastante divertida. Com personagens carismáticos e com motivação duvidosa. Acaba-se envolvido por todos os personagens. Desde o casal principal, até os personagens secundários que tem muito significado na história.
Um cara de fama assustadora é pago para sair com uma garota com fama tão assustadora quanto à dele, mas de personalidade muito mais durona. Inicialmente, apenas um serviço pago, mas Patrick acaba se envolvendo de verdade com a garota e se apaixona. Fazendo de tudo para estar com ela por que quer estar.
Eu não sei bem o que dizer do filme, além de me lembrar de uma ex-namorada que foi bastante importante pra mim. E até hoje ela é. Nosso relacionamento amoroso acabou, mas ainda somos amigos. E sempre que vemos o filme, lembramos um do outro. A memória é tão boa que eu não consigo ver o filme com outra pessoa, ou é com ela ou é sozinho. Afinal de contas, foi para ela que eu cantei a música principal desse filme. H-eh.


1.      Clube da Luta

Sem dúvidas o meu filme favorito. Nada neste mundo consegue superar o Clube da Luta na minha cabeça. Na primeira vez que o vi achei que seria apenas um filme de ação com socos e pontapés para todo lado... MAS EU ESTAVA COMPLETAMENTE ENGANADO!
Clube da Luta, com Brad Pitt e Edward Norton, é um filme muito maior do que apenas socos e pontapés. Claro, tem disso aos montes, mas ele transmite muito mais do que isso. Ele transmite ideias, ele transmite emoções, ele transmite a ligação entre uma geração distante das duas anteriores. Os filhos do meio da história, que não tiveram uma grande guerra nem uma grande depressão. (“Nossa grande guerra é a guerra espiritual, nossa depressão são nossas vidas” Tyler Durden). O filme inteiro se passa com a visão de um narrador sem nome contando sua vida desde o momento em que passou a ter insônia e depois de uma série de eventos conheceu Tyler Durden que se tornou seu mentor e guia para toda a vida. Realizando muito mais do que poderia esperar de sua vida, deixando de aceitar as coisas como eram e lutando por significado em sua vida.
“As coisas que você possui, acabam possuindo você”. Uma das mensagens pregadas no filme. Pare de achar que aquilo que você tem ou aquilo que você faz é o que te define. Nada disso é você. Só suas posses. Não deixe que elas tenham você ao invés de você as ter.
O filme foi baseado no livro de mesmo nome, do autor Chuck Palahniuk, e, pessoalmente, é um dos meus livros favoritos. Ele todo é genial. Uma filosofia de vida tão aplicável que deveria ser ensinada em colégios. Deusa! Como eles podem ser tão bons assim? Tyler Durden é praticamente a voz da minha consciência! Agindo de maneira impulsiva e completamente planejada! Não se deixe perder nesse mundo, pois o mundo tem que se perder em você. Mesmo que você não seja nada, você não é especial... É só a merda ambulante que faz de tudo para chamar atenção.


E é isso aí!

23 de junho de 2014

Luneverso e Terraluna

O que são essas duas palavras? O que elas significam?
Basicamente, meus mundos particulares. Mundos onde ambiento minhas histórias, onde tudo aquilo que quero que aconteça... Bem, acontece.
O Luneverso é meu universo de fantasia urbana, onde se passam as histórias de Jack Lunewalker em sua vida de caçador, com todas as possíveis lendas urbanas, lendas antigas e arcos sobre como o equilíbrio deve ser mantido e o véu deve se manter firme para a proteção da existência humana e do senso comum. Um universo onde os heróis não são conhecidos e nem parecem se importar com isso, fazem o que tem que ser feito por que sabem que é o certo, não por que esperam algo em troca.
Terraluna, por outro lado, é um mundo pouco trabalhado por mim, mas pode se dizer que foi nele em que ambientei Quando um EclipseAcontece. Um mundo simples, muito semelhante ao nosso, um mundo onde as histórias não possuem acontecimentos épicos, apenas histórias de caráter humano. Garoto conhece garota, homem desesperado tentando manter sua vida no lugar, bandas correndo para chegar ao sucesso, qualquer coisa que possa ser real está ali.

Por que minha Lua é maior do que a sua Terra.



Mas no presente momento, eu não sei o que escrever em Terraluna. Eu tenho várias ideias para o Luneverso, mas preciso de um tempo longe dele, apenas para refrescar minha cabeça e poder pensar mais sobre a vida humana. Eu quero escrever em Terraluna, mas não há uma ideia nova sequer. Pensei em escrever uma história “garoto conhece garota”, mas não sei qual o entrave dela. Não sei o que acontece nela. Curioso, não é?

19 de junho de 2014

Conto do Luneverso ― Nos trilhos do sangue

I
17 de Junho de 1987

Eu tinha vinte e dois anos quando isso aconteceu. Recém-saído do exército americano, recém-feito um parapsicólogo e recém-feito um membro da Organização ao qual me chamavam de Cavaleiro. O nome? John Hengerman, o coiote de metal.
Fui mandado pela Organização para uma demanda de nível C. Uma caçada como só aqueles que pudessem fazer poderiam, meus parceiros ― Hélios e Alice Lunewalker ― estavam ocupados em uma missão no norte da Ásia, não poderiam vir comigo. Cavalgando em um cavalo negro, um arredio de puro-sangue inglês, rumo ao oeste do país. Três dias de cavalgada com poucas paradas, o caminho arenoso me levava cada vez mais para o deserto. Rumo a Santa Ana. Uma das poucas cidades que conservavam o título de “Cidade fantasma”, mesmo com os duzentos moradores que a habitavam. Minha pequena diligência me deixou a meio caminho, eram minhas ordens, ninguém poderia saber o que estivesse fazendo.
Meu diário em um dos bolsos do sobretudo de tecido marrom e sujo, anotando todas as minhas memórias sobre a expedição, a poeira tomando conta de meus olhos. Eu sentia falta de meu carro, mas ele não poderia passar pelos lugares onde esse cavalo passaria, Espírito era o melhor dos cavalos que a Organização dispunha. Eu confiava nele e ele parecia confiar em mim, em todas as paradas eu o deixava beber água pelo tempo que lhe fosse necessário, mesmo que isso atrasasse a diligência.
Chegamos a Santa Ana sozinhos, como deveria ser feito, uma noite estrelada composta pela falta da Lua. A cidade pacata seguia pelo caminho dos trilhos de Sam C., um velho fazedor de armas que decidira unir cinco cidades por uma rota de trilhos, com apenas dois trens seguiam essas rotas de ferro, era composta por pequenas casas erguidas em pedra ou madeira ruim, o típico ar do velho-oeste que vemos nos filmes de Clint Eastwood ― que pessoalmente era um de meus atores favoritos ― e que tinham para todos os lados calçadas de tábuas e dois saloons onde, quando a noite caia, os homens da cidade se dirigiam para beber e, muitas vezes sem sucesso, brigar.
Um corpo estava dependurado sobre a placa de entrada rústica da cidade, a madeira podre quase não aguentava o corpo, que afrouxava as pilastras e fazia a placa pender para o lado esquerdo. Sorri sozinho e segui as estradas de ferro dali. Era um dos últimos lugares da nação em que a industrialização não havia chegado, ainda.
Deixei Espírito próximo a uma cocheira simples com três cavalos baios, ao lado de uma pequena caixa onde ele poderia beber água junto aos outros. Desci Dele e olhei a minha volta, eu estava próximo ao saloon, verifiquei minha velha Colt e endireitei meu chapéu. Decidi entrar, se alguém saberia de algo seria ali.
A verdadeira porta de um saloon se abre empurrando suas duas partes que ficariam balançando após um homem passar por ela, rangendo, mas aquele saloon não possuía uma. Parecia que o dono dormia ali todas as noites, dormindo abraçado em uma velha espingarda ao qual eu não duvidaria ter dado cabo de mais de trinta homens em noites diferentes. Afinal, ali era onde existiam os últimos cowboys verdadeiros da América.
Sentei-me ao balcão, ao lado de um velho índio de roupas pardas que tinha uma longa trança branca e um padre de grande estatura, provavelmente ele também era o prefeito, cidades pequenas costumam atribuir muitos títulos a uma mesma pessoa.
― Quero o uísque da prateleira de cima ― disse ao barman.
Um homem de idade avançada, mas com um sorriso maroto sob o bigode espesso, barriga saliente e expressão mal-encarada. Ele sorriu por debaixo de todos aqueles pelos, colocou a mão sobre o balcão, era uma mão grossa, os pelos de seu braço iam até a metade de seus dedos queimados pelo sol, e disse:
― Você deveria parar de ver esses filmes, garoto, eles só estragam sua cabeça ― o sorriso amarelado continuava a minha frente, enquanto meus companheiros de balcão também sorriam ― Só temos uma prateleira aqui.
― Então é desse mesmo que eu quero ― continuei com minha postura de que era daquelas terras, eu precisava convencer.
― Você não é daqui. O que quer? ― o padre virou para mim, perguntando. A batina longa estava suja e as pontas estavam rasgadas. ― Forasteiros não duram aqui ― ele colocou a mão sobre a bíblia a sua direita ― Parece um péssimo agouro, entende?
― O padre tem razão ― ouvi o índio dizer, virando seu copo de madeira ― Gente de fora não dura. Ainda mais sob essa lua.
― E o que tem nas luas de agora? ― perguntei para eles, voltando meu olhar para frente ― Quero saber do xerife.
O índio puxou da túnica que vestia, por baixo do casaco, uma estrela dourada ― eu não devia me surpreender por tanta semelhança com os filmes, mas ainda assim me surpreendi ―, aquele era o xerife de Santa Ana. Não achava que um índio pudesse chegar a tal cargo em uma cidade, mas me pareceu que eu estava sendo preconceituoso por causa de tantas influências cinematográficas e pelos quadrinhos que estava lendo.
― À noite os trilhos tomam vida e os trens desaparecem, rapaz, não se costuma ter muita fé por aqui nos dias de hoje.
― Por isso se vê um padre no saloon com o xerife indígena? ― perguntei. Movimento errado. Quando dei por mim, estava no chão de madeira suja, mas não havia sido nem o padre nem o xerife que havia me derrubado.
― Escuta aqui, moleque, ninguém insulta o clero aqui em meu estabelecimento ― o barman me disse ― Não enquanto eu estiver vivo e outro assumir meu lugar.
Por um momento pensei em puxar minha arma do coldre, mas aquilo seria levar-me pelas emoções e eu não poderia fazer isso, não antes de resolver o caso em que estava trabalhando. Levantei-me, passei as costas da mão em meu queixo e limpei o pouco sangue que escorria, ele tinha me quebrado um dente. O barman era mais forte do que parecia. Bem mais forte.
― O que há por essas terras? ― perguntei, tentando parecer durão, mas eu era apenas um rapaz de poucos anos em meio aos adultos. ― Algo que deveria assustar as pessoas de mente fraca?
Eu não deveria ter feito a pergunta assim, mas meu reflexo de parapsicólogo se deixou tomar conta do meu raciocínio e eu não o contive. Eu não podia me demorar muito ali, precisava voltar para a sede da Organização sem maiores problemas. Minhas ordens eram simples, resolver o caso, pegar o que tinha que pegar e voltar.
― Homens que matam outros com os dentes ― o xerife disse ― No caminho da estrada de ferro, eles cavalgam em corcéis negros com asas gigantescas e rasgadas, caminham pela noite e surgem da escuridão. Levam o que querem, somem com o que querem.
Ele era bastante eloquente apesar de ser um índio, pra mim parecia ser um mestiço. O que poderia explicar seu cargo na cidade. Eu olhei para ele, tentando parecer respeitoso de alguma forma, percebi que ele tinha muito mais cicatrizes no rosto do que eu. Ele tinha me dado informação suficiente para que eu já pudesse atuar naquele lugar e desaparecesse dali para nunca mais, mas ele ainda não havia terminado.
― Só um homem sobreviveu e ele não é de conversa. Sequer pode ser chamado de homem ― ele disse ― Jack Oldwest, um andarilho do oeste perdido, ninguém o vê quando ele não quer ser visto, ninguém o encontra quando não dá para ser encontrado.
― Quem é esse andarilho? ― perguntei interessado, ele parecia ser do tipo que a Organização se interessaria.
― Uma lenda. Não é vivo e nem morto. ― o barman disse ― Um homem da justiça que cavalga do oeste para o leste e em seu caminho limpa as trilhas por onde passa.
― Eu já o vi ― o padre disse ― Uma vez, quando era garoto, vi sua silhueta passando pelo pôr-do-sol.
Parecia uma história antiga feita para encantar garotos jovens, eles sorriam enquanto falavam desse tal andarilho. Por mais que me parecesse uma história de ninar, para eles era uma lenda real. A Organização nunca o havia mencionado, mas é algo possível, eles poderiam não saber de sua existência segundo as histórias. O que não se quer ser sabido, não será.
Tomei mais uma dose de uísque e perguntei onde poderia passar a noite. O barman me indicou as escadas de seu próprio estabelecimento, informei-o de Espírito e ele disse que ele ficaria bem junto aos outros cavalos, agradeci e joguei-lhe algumas notas. Deveriam bastar por minha estadia.
Meu quarto era tão rústico quando o saloon era. Uma cama com colchão fino, feito de palha, com um lençol velho e mal cheiroso. Uma pequena cômoda com a bíblia ao lado e uma janela mal feita, provavelmente um lugar onde prostitutas serviam aos clientes. Um quarto apertado, mas serviria para passar a noite. Deixei meu chapéu ao lado da bíblia e o casaco na cabeceira da cama, as botas sujas próximas ao pé da cama. Tirei meu diário e anotei algumas informações sobre aquela demanda. Deixei-o no chão e adormeci quase imediatamente após deitar.

II
O sol estava alto quando acordei. Joguei a pouca água que tinha no quarto em meu rosto para acordar realmente e calcei minhas botas, que pareciam estar mais sujas do que quando fui dormir. O casaco posto e o chapéu de caçador em minha cabeça, saí do quarto e desci as escadas de volta ao saloon, já havia bêbados ali. Nenhum dos homens da noite anterior estava ali, exceto o barman ao qual eu não tinha perguntado o nome.
Pedi outro uísque para começar meu dia e o tomei em silêncio. O calor atacava sem piedade, mas ninguém parecia se importar ― até pareciam gostar ― e bebiam entre brigas e mais brigas, todas apartadas pelo barman que apenas os olhava feio e percebiam, logo se aquietando.
Saí dali e passei por Espírito, ele bebia sozinho um pouco d’água e me olhou com um olhar de dar medo, “quando sairemos daqui?” parecia perguntar. Apenas passei a mão em sua crina e continuei meu caminho. Eu precisava ver as estradas de ferro.
Todo o caminho de metal era composto por carreiras preenchidas por entalhes curvilíneos e inscrições de linguagens antigas. Passei minhas mãos por elas, eu não tinha o que os outros membros da Organização tinham, cada um deles parecia ter uma ligação muito maior com o Mundo Cinza do que eu tinha, mas eu era esperto. Eu conhecia as coisas melhor do que ninguém. Cada buraco em cada lenda, cada detalhe que pudesse escapar preenchiam a mente, mas nada me era mais fácil de conhecer do que os caminhos feitos para proteger de mortos-vivos e entidades soturnas. Aquele era um caminho que fechava uma parte do país contra tudo.
Voltei para meu quarto e tirei alguns dos livros que havia trazido comigo e voltei para o saloon, ouvindo ao longe, por de trás das páginas dos livros, as conversas das pessoas. A grande maioria era coisa inútil sobre o dia-a-dia daquela cidadezinha, mas algumas diziam coisas interessantes sobre meu caso. Bares sempre foi o antro da escória para saber-se do que ninguém mais teria coragem de dizer em outros lugares, salvo exceção igrejas em confessionários, mas eu não era um sacerdote para ouvir confissões, estava longe disso, minha vida era resumida em aprender e aprender, sempre para poder beber e transar com mulheres que pudessem me interessar ― um hábito que Hélios não gostava, mas ele estava para casar, ele não poderia mais me acompanhar nessa vida de boêmio.
Mas as conversas a que me referi antes me deram informações sobre a lua que viria ― cortesia de alguns índios ― e sobre o andarilho daquelas terras. Também ouvi sobre uma diligência de metal que se aproximava trazendo alguns homens e mulheres para o oeste, visando terminar a construção de metal das estradas. Foi esse meu dia, ouvir e estudar. Eu sabia o que tinha que saber e sabia o que faria. Cavalgar, caçar, matar, pegar o que queria e zarpar.

III
Naquela noite que se passou, cavalguei em Espírito ao lado dos trilhos em busca da diligência, mas o que vi não poderia ser descrito em lenda alguma. Ao menos não em minha pouca idade e pouco tempo procurando o que tinha que procurar.
Cavalos magros, negros, trazendo em seu dorso homens com aparências tão, ou mais, hediondas do que as deles. Homens de sobretudo e chapéus negros, rostos com nariz adunco e bocas rasgadas. Saltaram sobre o trem e rasgaram com as mãos a parte superior do trem como se ele fosse de papel, sem se importar comigo. Os braços saltados traziam membranas escuras que os fazia impulsionar para o ar, mantendo improvavelmente o equilíbrio com o movimento, jogavam-se para dentro e tiravam as pessoas dali, que gritavam e imploravam.
Puxei minha Colt e atirei neles algumas vezes, eles pareciam não se importar com os tiros, pareciam acostumados com aquilo. Um cavalgar distante veio em meu auxílio e tiros em seguida, alguns deles caíram do trem e outros escaparam, soltando seus reféns no chão, os reféns pareciam cair e não se moviam mais, mortos provavelmente.
O pistoleiro emparelhou com Espírito em seu cavalo branco, a arma em suas mãos expelia fumaça e o cheiro de pólvora preenchia minhas narinas, mesmo com o vento contra mim. A falta da Lua não me deixou perceber seu rosto, apenas sua longa barba e cabelo preso sob o chapéu de couro marrom. Ele fez um sinal para que eu o seguisse e eu o fiz. O trem seguiu seu caminho, como se nada tivesse acontecido.
O estranho me levou até um pequeno acampamento, que ele mesmo parecia ter erguido próximo aos trilhos. Ele desmontou de seu cavalo e o afagou. Desci de Espírito e levei a mão ao coldre, estava vazio.
― Procurando isso, forasteiro? ― ele ergueu minha arma a altura da aba de seu chapéu, eu não via seus olhos pela escuridão ― Não vai precisar disso hoje, não aqui. Não há tiros em minha morada, não antes das três.
Olhei para ele em silêncio. Ele puxou o gatilho de minha arma, mirando as pedras em círculo ao centro do acampamento, fogo surgiu. Não havia o que se queimar ali, mas tinha fogo.
Ele puxou do bolso do sobretudo uma garrafa marrom, tomou um gole e me ofereceu. Eu bebi, não era álcool, mas pareceu revigorar minhas forças. Eu me sentei, encostando-me em uma pedra, ele continuou de pé.
― Oldwest, não é? ― perguntei.
― É o meu nome.
― E o que você é?
― O que essas terras precisam que eu seja.
― Você fala bastante como um pistoleiro de filmes antigos ― comentei ― Não é um fanático, é?
― Não.
― E o que precisam que seja? ― eu precisava fazer as perguntas certas, ele não parecia de falar.
Ele tirou o chapéu. Os olhos brilhavam a luz do fogo, a barba crespa escondia grande parte de seu rosto. Ele tomou mais um gole da garrafa e sentou-se ao lado de seu cavalo, que agora descansava.
― A cura para o mal.
― Então você sabe o que são aquelas coisas, não é?
― Vampiros.
― No oeste? Onde o sol parece tocar tudo que existe? Isso é... Irreal ― eu disse.
― Não acredite em tudo que lhe dizem, não é inteligente ― ele respondeu ― Algumas coisas só existem por que a noite existe. Outras só existem por que querem que exista. Eu estou aqui por que o lugar precisa de mim.
― E o que acontece quando não precisarem de você?
― Eu estarei em outro lugar.
― E se não houver lugar?
― Eu não existirei, mas sempre precisam de mim. Enquanto houver oeste, eu vou cavalgar.
― Entendo.
Ele puxou uma bolsa de couro de trás de uma pedra e tirou uma arma de dentro dela. Uma arma de ferro negro, quatro canos, uma Magnum, jogou-a para mim. Ela tinha palavras entalhadas e estava carregada. Quem guarda uma arma carregada?
― Cria-paz.
― Perdão?
― Essa arma. Ela se chama Cria-paz. Se você quer me acompanhar nessa empreitada, forasteiro, você vai precisar dela. É um presente. Um presente do Oeste para quem vem do Leste.
― Como sabe que venho do Leste?
― Eu sei de tudo que acontece nessas terras, John “Coiote de metal” Hengerman.
― E o que vem agora?
― Esperamos.
― Pelo que?
― Eles virão. Sempre vêm até mim. Sugiro que descanse, vai cavalgar nessa noite desprovida de luz.
Tentei dormir um pouco ali, mas não tinha muito tempo. O andarilho permaneceu acordado, seus olhos voltados para o céu escuro. A arma que ele me deu em meu colo, pronto para o que estivesse vindo a nosso encontro.

IV
― Coiote, acorde ― Oldwest mexia em mim.
Levantei de um salto, arma em mãos. Apenas silêncio. Nem as estrelas podiam ser vistas, não havia nada ali. O fogo havia se apagado. Os cavalos estavam de pé. Oldwest subiu em seu cavalo e eu subi em Espírito. Ele trotou em silêncio para uma parte do deserto, eu o acompanhei.
― O que há? ― perguntei
― Vão chegar.
Nem bem ele terminou, ouvi os sons daqueles cavalos estranhos. O céu tinha manchas mais escuras e Oldwest atirou em alguns deles, eu tentei acerta-los, mas estava escuro demais para minha visão. Eu era apenas um humano e ele, pelo que parecia, era uma lenda viva.
Oldwest derrubou alguns dos cavaleiros no chão, os cavalos abandonaram seus guias e voltaram para os céus. No chão eu pude acerta-los, os disparos da arma que ele me dera eram muito fortes, eu quase não aguentava o coice dela, tive que prender minhas pernas ao torso de Espírito, que relinchou quando dei o primeiro disparo.
O primeiro monstro abatido, o corpo se desfez em cinzas e os outros, enfim, me notaram como uma ameaça ali. Enquanto Oldwest atirava nos voadores, eu me concentrava naqueles que caiam e tentava diminui-los, mas eram muitos. Cada vez que eu matava um e outro caia, parecia que mais alguns se juntavam aquele tiroteio.
― Coiote! ― Oldwest girou em seu cavalo, mirando atrás de mim, ele disparou e um dos vampiros tombou ― Não deixe a guarda baixa, lembre-se disso.
Um dos corcéis escoiceou o ar acima dele, tirando-o de seu cavalo. Ele caiu, mas logo se levantou, atirando em seu agressor. O cavalo se desfez assim como os vampiros se desfaziam quando eu os acertava.
― Eles não acabam nunca?! ― gritei.
― Vão acabar se nós permanecermos aqui enquanto tivermos forças.
― Isso não me parece um plano esperto.
― Isso não é um plano.
Ele disparou algumas vezes. Um corcel maior surgiu. Trazia um vampiro maior, mais deformado e mais sombrio. O frio da madrugada vinha com ele, acompanhando seu galope.
― Coiote! Atire!
Ignorando os vampiros que saltavam sobre Espírito, que os escoiceava, tentei atingi-lo, ao mesmo tempo em que o Andarilho o fazia. Os disparos atingiram seu cavalo, mas o cavaleiro não caíra. Ele continuou no ar, seus braços erguidos como asas, que se transmutaram em seguida, o rosto afinado e os olhos brilhando em vermelho vivo.
Oldwest disparou mais uma vez, eu disparei em seguida. O vampiro era rápido. A madrugada seguia cada vez mais rápida, o céu negro tornava-se azulado e os primeiros raios do sol vinham do leste. Eu tinha que recarregar muitas vezes, muita munição foi perdida e parecia uma luta sem fim, Oldwest parecia não se abater com isso, ele recarregava com velocidade incrível e voltava a disparar quase no momento em que sua munição acabava.
Quando o sol surgiu finalmente, o vampiro-rei deixou-se cair, a humanidade o tocara. Ele era apenas um homem seminu que havia tombado. Oldwest disparou nele, do corpo só restaram às roupas, presas e um medalhão. Os outros tombaram em cinzas quando o sol os tocara.
O Andarilho desceu de seu cavalo e apanhou aquelas presas e o medalhão, jogou-o para mim. E sorriu pela primeira vez.
― Era o que estava procurando, não é?
V
Cavalgando em Espírito de volta ao Leste, carregava comigo duas coisas, Cria-paz e o medalhão do vampiro-rei. A cidade onde minha divisão se estabelecera estava próxima, deixei Espírito em seu estábulo e tomei de volta meu carro. Dirigi até a sede e deixei o medalhão.
Estava decidido de uma coisa. Eu não teria aprendido algumas coisas sem aquela lenda. Eu tinha decidido o que faria como padrinho de casamento de Hélios e Alice. Eu sugeri a eles um nome para o primeiro filho. Um nome forte, um nome para alguém que fosse criado para ser aquele que fosse assumir meu lugar. Aquele que fosse garantir o legado de sua família.
Jack.
Jack Lunewalker, esse seria o nome dado para meu afilhado. Mesmo que eu tivesse que convencer Alice disso, mas eu tinha certeza de que ela aprovaria. E ela aprovou após ouvir minha história.
Uma caçada feita, uma demanda cumprida, uma lição aprendida. Eu era melhor do que tinha sido até agora. E graças a uma Lenda.

Mesmo que eu nunca mais visse aquele homem de olhos brilhantes, eu sabia que ele estaria em algum lugar pelo mundo. Em algum lugar, cavalgando do Oeste para o Leste, servindo como a cura para os males deste mundo. E eu não seria menos do que isso.

18 de junho de 2014

Conto do Luneverso ― Marionetes de Sangue

I
01 de Janeiro de 2014

Eu estava quase perdendo o controle da Alma do Deserto, tamanha era à força da chuva naquela noite. Eu estava mais preocupado com a garota em minha garupa e com a motocicleta do que comigo. Ela estava sob minha guarda e a motocicleta era um de meus bens mais preciosos. Eu já não sentia mais minhas extremidades por causa do vento frio e meu corpo estava completamente encharcado, minha jaqueta estava com a garota para que ela se aquecesse.
Quando aquele hotel apareceu em nosso caminho, eu agradeci a Lua pela benção. A garota estava agarrada a minha cintura, ela tremia muito e eu estava preocupado com a possibilidade de ela acabar pegando alguma doença. Deixei-a na portaria com as mochilas, dizendo para que fosse fazer o registro enquanto eu deixava a motocicleta no estacionamento. Não havia muitos carros, era um hotel de estrada, pouco movimento, mas parecia aconchegante. A época também nos ajudava, as pessoas já deveriam estar com suas famílias, nós éramos um dos poucos casos raros de pessoas na estrada.
― Uh, que chuva é essa, fada? ― abracei-a quando voltei, ela estava batendo os dentes, parada em frente ao balcão ― Fez nosso registro?
― Fiz, mas só tinham quartos de casal ― ela respondeu ― É um problema?
― Não vejo por que seria. O quarto tendo um sofá, ou um travesseiro sobrando, para mim está bom ― sorri para ela ― Onde está o balconista?
― Foi buscar as chaves.
Mantive o abraço até o balconista voltar, chaves em mãos, fomos para o quarto. Um quarto simples, como esperado, a cômoda de madeira antiga próxima à cama de casal, lençóis amarelados e mal arrumados. Uma pequena geladeira com cerveja, refrigerante, água e alguns doces ao lado da porta e um pequeno sofá puído e uma televisão antiga estavam a um canto. Uma segunda porta levava a um banheiro apertado, mas limpo. Sorri para ela. Entramos.
― Parece até que estou em casa ― comentei.
Ela riu e jogou as mochilas ao lado da porta. Eu fui até a cama e tirei meus tênis, colocando-os embaixo, tirei a camisa molhada e larguei no chão, apanhei um dos travesseiros e me joguei no sofá. Os óculos postos no chão, esfreguei os olhos com o antebraço.
― Você deveria tomar um banho, Jack, vai empestear o quarto com esse cheiro de cachorro molhado.
― Vai você primeiro, fada ― respondi ― Eu já deitei, preciso de alguma força pra levantar agora. Além do mais, sua mãe me mata se você ficar doente.
Ela proferiu algumas palavras sobre meu descaso comigo mesmo, mas eu estava cansado demais para ouvi-la. Ela passou para o banheiro e, pouco depois, ouvi o chuveiro ligado. Levantei-me rapidamente do sofá e corri para minha mochila. Apanhei o maço de cigarros que tinha guardado e fui até a pequena janela. Isadora não gostava que eu fumasse, então o fazia quando ela não estava por perto. Atento ao som do chuveiro, acendi um cigarro e traguei-o. A nicotina correndo pelo meu sangue e a fumaça preenchendo meus pulmões, apenas para, instantes depois, ser expelida por minha boca enquanto eu observava a chuva cair.
Através da escuridão, através da chuva, através da fumaça que eu expelia, eu pude ver alguns vultos. Vultos negros, vultos enevoados, vultos rápidos, vultos e vultos. Sacudi a cabeça, minha mente ainda estava presa no último caso, mas eles pareciam reais o suficiente para não ser apenas uma ilusão de minha mente partida. Patas. Asas. Presas. Correndo. Voando. Rosnando.
O som do chuveiro parou. Isadora saiu do banheiro com a toalha enrolada no cabelo e roupas secas. Ela olhou para o sofá e não me viu, eu ainda estava na janela, distraído, o cigarro ainda aceso queimava entre meus dedos.
― Já fumando, Jack? ― ela ralhou comigo ― Você sabe que isso ainda vai te matar.
Silêncio. Meus olhos ainda estavam fixos para o lado de fora.
― Jack? ― ela chamou.
― Fada ― olhei para ela ― Quanto tempo faz que terminamos o último caso?
― Algumas horas. Por quê? ― ela perguntou ― Acha que tem algo por aqui?
Isadora tirou a toalha da cabeça, liberando suas madeixas negras, ela me olhava preocupada. Ela podia ser uma garota de quinze anos, mas às vezes me parecia mais responsável do que eu ― o que já não era muito difícil ―, ela sempre estava preocupada comigo. Era uma inversão interessante, o mentor cuidava da aluna ou era o contrário? Tínhamos uma relação curiosa, mesmo com os poucos meses em que nos conhecemos.
― Eu não sei, mas eu vou descobrir ― respondi.
― Certo, mas agora termine isso daí ― ela indicou meu cigarro ― e vá logo para o banho. Eu vou dormir.
― Pode deixar, fada ― sorri para ela.

II
O dia amanheceu e o cheiro de terra molhada preenchia as narinas de todos. Eu já estava levantado desde cedo. Calça jeans e camiseta, descalço. Estava treinando meu corpo quando o serviço de quarto chegou, trazendo-nos o café da manhã. Agradeci a camareira e dei-lhe uma nota de cinco. Ela agradeceu e eu fechei a porta. Olhei para a refeição, era simples, mas tinha café, já me bastava. Acordei Isadora, ela foi ao banheiro enquanto eu me servia de uma fatia de pão com manteiga.
― Você ainda está preocupado com o que sentiu ontem, não é? ― ela perguntou enquanto se sentava ao meu lado no sofá.
― Eu não senti nada. Eu vi. ― corrigi-a.
Depois disso ela não disse mais nada, comemos em silêncio e eu apanhei minha jaqueta que deixei no banheiro para secar, ainda estava gelada da chuva, mas dava para usar. Me certifiquei de que não tivéssemos esquecido nada ali e saímos.
Enquanto acertava a conta perguntei ao atendente da noite anterior sobre a cidade mais próxima. Ele me indicou a direção. Agradeci e, com Isadora, fui pegar minha motocicleta. Com a barra da camisa limpei os retrovisores úmidos, sentei-me e liguei-a. Isadora sentou-se na garupa e me abraçou, a mochila em suas costas. Antes de sairmos perguntei:
― Acha que está pronta para tentar uma investigação às cegas?
― Você acha que estou?
― O Lobo caçador e a Fada do outono juntos? Acho que vai ser divertido.
Ela riu e, enfim, saímos do hotel. A direção? A cidade indicada pelo atendente, à mesma direção dos vultos da noite anterior. Podia ser minha imaginação, mas eu sentia que valia a pena investigar e se a direção fosse a mesma de nosso destino original, não faria mal um pequeno desvio.
A estrada estava vazia como a noite, mas também ainda estavam molhadas e alguns pontos eram difíceis de passar, isso se você fosse um iniciante nas estradas, o que eu, obviamente, não era. Cortando o vento em uma única direção no asfalto, em um veículo de metal sem qualquer forma de proteção? Eu estava mais em casa do que em meu lar. Ninguém poderia tirar o sorriso do meu rosto, nem mesmo se tentassem.
A distância do hotel para a cidade não era grande coisa, em pouco mais de uma hora nós já estávamos na cidade, paramos em uma lanchonete para tomar alguma coisa antes de qualquer coisa. Eu peguei um café e Isadora tomou um suco de frutas, comprei para nós alguns salgados e nos sentamos próximos à saída da pequena cantina.
― O que se faz quando se chega a uma cidade desconhecida e se está caçando? ― perguntei ― Qual a primeira coisa que fazemos?
― Buscamos informações.
― Exato ― sorri ― e, na minha experiência, os melhores lugares para se procurar por esse tipo de informação são os bares. Quanto mais underground o bar, mais fácil de saber de alguma coisa. Sabe por quê?
― Não.
― É um raciocínio bem simples. Pessoas simples tendem a procurar os vícios quando suas realidades são questionadas de maneira que eles não possam rebater. Os vícios mais comuns são bebidas e cigarros, um bar tem ambos.
― Parece mesmo simples ― ela disse ― como fazemos isso? Como você atua?
― Eu sou... Trapaceiro ― meu sorriso se alargou ― Eu já sou acostumado com bares, mas meu olfato ainda é algo com que eu confio bastante. Eu posso farejar anomalias. E já tem algum tempo que eu aprendi a farejar gente que se envolveu com elas.
― Você é realmente um cão de caça, não é?
― Acho que sou ― rimos juntos ― vamos terminar isso aqui e vou atrás de um bar legal.

III
Sujeira. Imundice. Suor e urina exalavam dali. Uma mesa de sinuca, alguns jovens jogavam nela, um pequeno bolo de dinheiro ao lado de uma garota bonita, provavelmente ela também fazia parte da aposta. Uma televisão ligada no canal de esportes, alguns velhos discutiam a partida de futebol. Um bar típico de cidade pequena com sua sujeira habitual.
Isadora não estava à vontade, ela não era o tipo de garota que frequentava esses lugares, ao contrário de mim, que já era quase uma lenda viva do bar de São Miguel, o Princesa, de tanto que já arrumei confusão por lá. Os olhares caiam sobre ela, mas ninguém se atreveu a comentar coisa alguma, ao menos não descaradamente, ela estava comigo e isso bastava para mantê-los quietos.
Fui direto ao balcão, pedi uma cerveja e me apoiei com os cotovelos nele enquanto bebia. Isadora me olhava curiosa, enquanto eu fingia não perceber, os óculos escuros escondendo meus olhos. Eu farejava o lugar, mas parecia não ter nada ali que não tivesse que estar, nada de incomum.
Eu estava para desistir quando finalmente consegui farejar alguma coisa. Um homem, velho, de pelos brancos escapando pela abertura da camisa e botas rotas, se aproximava do balcão também e pedia uma dose de uísque. Ele não fazia questão de se esconder, provavelmente nem sabia o odor que exalava, estava preocupado, como alguém que viu algo que não se pode compreender. Algo que não se pode explicar. Cutuquei Isadora e indiquei o homem. Tirei da carteira mais algum dinheiro e me aproximei dele:
― Vai querer algo mais?
Ele me olhou preocupado. Ele parecia me avaliar, ofereci-lhe meu sorriso de desgarrado. É preciso ser um deslocado para reconhecer o outro. Ele sorriu nervoso e aceitou mais uma dose de uísque, comprei duas. Brindamos e viramos as doses. Comprei mais uma cerveja e indiquei uma mesa. Isadora nos acompanhou em silêncio. Somente quando nos sentamos ele se deu conta de que ela estava ali.
― Não se preocupe ― disse-lhe ― ela está comigo.
― Não me preocupar? ― ele perguntou ― Essa cidade está fodida!
― O que quer dizer?
― Que tem coisa do diabo aqui! ― ele se inclinou para perto de mim ― Vai achar que eu sou louco, mas tem coisa errada aqui.
― Por que não tenta a sorte? Tenho a mente aberta.
― Olha garoto, as coisas aqui estão esquisitas. Não é coisa de deus.
Servi a ele um pouco da cerveja. Ele tomou um gole, a espuma prendendo-se em seu bigode espesso. Ele respirou fundo e começou:
― Escuta, eu sou capataz... Não, eu era. Eu era capataz de uma construção que estão fazendo perto da saída da cidade, eu não volto mais lá. Não com aquilo lá.
― O que é aquilo? ― perguntei, tomando do meu próprio copo.
― Fantasmas ― ele respondeu teatralmente.
Silêncio.
― Não está assustado? ― ele perguntou surpreso ― isso me fez tremer como criança!
― Como eu disse, tenho a mente aberta ― respondi ― Como era?
― Eram... Vários. Animais ― ele respondeu.
― Animais?
― Cães, corvos, gatos, animais mesmo ― ele tomou mais um gole da cerveja ― Sabe, não era gente. Eram animais. Pareciam estar protegendo um lugar, mas como se fossem mandados, cães de guarda.
― Protegendo o que?
― Que eu saiba, nada. Não tem nada lá, só a construção vazia. Não tem mais ninguém lá, os outros também já saíram da cidade. Eu só não fiz isso por que não tenho mais para onde ir, nem por que ir. Já vivi demais para ter outro lugar para ir.
― Nós sempre temos para onde ir ― Isadora falou ― Só o que precisamos é de vontade.
― Olha garotinha, isso só é verdade se você ainda tem o que viver. Velhos como eu, sem família, não tem por que fugir da morte.
― Acha isso mesmo? ― ela perguntou
― Chega, fada, ele tem razão.
― Mas Jack!
― Escute seu irmão, guria.
Ela se calou, eu me levantei. Bebi o que restava em meu copo. Saí dali com Isadora em meu encalço. O homem não entendeu o que estava acontecendo, mas eu não o dei mais atenção, já havia conseguido o que precisava.
Já na Alma do Deserto virei-me pra minha aprendiza e falei:
― Temos um caso.
― É, mas eu não sabia que animais podiam ser fantasmas.
― Por que não? Eles estavam vivos, tinham uma alma para continuar aqui. Uma lembrança. É assim que eles nascem.
― Se você está dizendo...
― Sobe aí, eu quero ver essa construção de perto.

IV
Só em estar ali dava pra sentir a perturbação. O nível espectral não era normal mesmo. Até a Isadora que ainda estava aprendendo pode sentir. Uma construção abandonada, cercada por arame farpado e placas de metal em pé. Máquinas desativadas, montes de pedra e areia, a armação de um prédio abandonada sem qualquer capricho. Saíram dali às pressas.
― Queria saber o que trouxe eles até aqui... ― comentei.
Me abaixei no chão e apanhei uma pedra qualquer, joguei-a para frente e fechei meus olhos. Meus sentidos me alertavam sobre tudo que poderia acontecer ali, Isadora ao meu lado não entendia o que eu estava fazendo, eu nunca havia lhe dito o que eu fazia exatamente.
Eu estava pedindo por ajuda. Pedindo por um sinal. Eu precisava de alguma indicação do que poderia ser a causa de esses animálias estarem ali. Por que animais espectrais estariam ali? Um cemitério de animais?
― Eu acho que eu sei o que aconteceu aqui, Jack.
― O que foi?
― Ele.
Abri meus olhos, ela apontava para um homem sentado no meio da construção. Roupas surradas, mas mantinha um ar de sobriedade e elegância. Olhos fechados. A sombra da construção o protegia do sol. Isadora olhava para ele com um olhar de raiva, eu pude perceber logo o motivo. Correntes.
― Está com a faca que eu te dei?
― O tempo todo ― ela tirou da cintura uma faca de metal brilhante, prata.
Os olhos dela não se desviavam das correntes na mão dele. Correntes. Correntes e mais correntes. Metal polido, metal enferrujado, metal, ferro, cobre, corroído. Finas e grossas.
Coisas que a Isadora e eu temos em comum? Liberdade. Procuramos e protegemos a liberdade, correntes representam o aprisionamento, a negação da liberdade. Não são muito diferentes de jaulas.
― Eu sei o que é aquele filho da puta ― eu estava deixando a raiva me dominar. Eu não gostava mesmo do que era aquele desgraçado, odiava. ― Um maldito cadáver.
― Vampiro? Assim? ― ela perguntou surpresa ― Mas está de dia.
― Você acredita demais nisso da luz, fada. ― comentei ― pra uma fada do outono, você se perde demais nos detalhes das histórias. Na paixão das histórias.
― Histórias costumam ter verdade, Jack, você me ensinou isso.
― Vampiros não tem apenas uma história ― lembrei-a ― Há histórias onde vampiros podem fazer certas coisas que outros não podem. Tipos diferentes. Deve ser um maldito cadáver-hippie. Emergido com a terra, ele pode ficar na sombra durante o dia. Alguns até caminham no sol.
Apanhei a minha própria faca. Passei de leve o dedo sobre o relevo no entalhe da lâmina, o sobrenome Lunewalker. Meu sobrenome. Ergui meu corpo e respirei fundo, ajeitei os óculos e direcionei meus passos para o cadáver.
Nem bem dei dois passos e senti um puxão em meu pé. Uma cobra esfumaçada se torcia nele. Chutei-a para longe. Se pode me tocar, eu também posso. E se posso tocar, eu posso matar. Outra vez.
Animais enevoados apareciam entre todas as fendas do chão, de todos os esconderijos possíveis. Cães e gatos, cobras e corvos. Facas em punho, tínhamos que abrir caminho entre todos eles para chegar ao vampiro. Não entendia como eles poderiam estar protegendo algo tão repulsivo quanto aquele bosta.
Enquanto lutávamos com fantasmas, o vampiro sequer se movera, nós tivemos mesmo problemas para alcança-lo, eu estava cansado quando consegui toca-lo. Isadora ainda estava com problemas com um gato crescido que a atacava, eu arremessei minha faca contra o felino espectral e ela apenas o atravessou. Era diferente dos outros. Nem mesmo armas feitas para lidar com essas coisas poderiam atingi-la.
Desfiz-me do cadáver e me dirigi até ela, mas não foi necessário andar muito. O felino foi derrubado por outro fantasma. Surpreso com aquilo acabei atingido pelas correntes do vampiro que aproveitou minha distração para se manifestar. As correntes pareciam vivas, enrolando-se em meu corpo e se contraindo, tentando me esmagar. Chutei-o, tirando-o de sua posição inicial.
Olhei rapidamente para o lado. Isadora estava no chão, ela tinha feito algo. O felino com que ela estava ocupada agora enfrentava um cachorro maior do que ele. Um cachorro que salivava fumaça e se prostrara entre ela e o gato.
O julgamento do outono.
Ela estava longe, mas sorria. O cachorro agora a ajudava, enfrentando seu inimigo em seu lugar. Sorri e voltei-me para o cadáver.
― Seu chupador de sangue, eu já não gostava de você antes, agora menos ainda ― eu disse ― Seu merda, ninguém obriga ninguém a fazer coisa alguma!
Era tão óbvio. Tão simples. Aquele merda era um maldito manipulador. Uma habilidade difícil de encontrar em um membro, mas renegados a tinham como forma de criar seus castelos. Guardas. Ele escravizou os animais para proteger seu território. Isso não ficaria barato, não se eu pudesse fazer algo. E eu podia.
Nenhuma palavra foi dita por ele, apenas um sorriso largo, exibindo suas presas alongadas, estampado em seu rosto. Um psicopata que merecia a morte. Merecia ser destruído.
Ele puxou as correntes, levando-me para perto dele. Belo erro. Junto a ele, eu pude acerta-lo com minha cabeça. As correntes afrouxaram e me livrei delas. Meus punhos estavam livres, agarrei-o e ergui acima de minha cabeça. Joguei-o longe, contra uma das vigas, que tremeu com o impacto. Corri até ele, jogando meu corpo sobre o dele. Cotovelo contra o pescoço.
Ele ganiu quando me derrubei sobre ele, tentou me morder, mas não dei tempo algum para ele. Pressionando e empurrando contra o chão. Eu ia arrancar aquela cabeça. Ele não tinha como escapar.
Exceto por uma coisa. Aquele maldito gato.
Vindo em direção a seu mestre, o gato fantasma se jogou contra mim, as correntes rompidas, exceto por uma. A corrente que se dirigiu até o pescoço do animal. O cadáver levantou, limpando seus ombros da poeira e sorrindo.
― Pega ― ele disse.
A corrente solta, o gato veio em minha direção. O cão que ajudou Isadora saltou por cima de mim antes do rival me alcançar. Algo estava em sua boca. Ele o cortou de frente a frente. Rasgando a névoa que o formava. Era minha faca entre seus dentes.
Ela caiu no chão. O cão rosnou frente ao que caia próximo a ele. Desfazendo-se em bruma, o felino estava livre. Restava apenas um. O morto-vivo que não teria chance de fugir. Era óbvio, alguém que precisa mandar outros em seu lugar não tem força própria para se safar.
Dois passos. Apanhei a faca. Dois passos. Corri até ele e novamente o derrubei. Seu sorriso apagado, apenas um lampejo de que era o fim. Sua cabeça separou-se do corpo quando a lâmina passou por seu pescoço. Nenhuma gota de sangue. Ele estava seco por dentro.
Arfando, arrastei o corpo para longe das sombras e o deixei no sol. Pouco a pouco ele se desfazia em cinzas. Fui até Isadora, ela estava bem. Ela sorria para mim. Eu sorria de volta.
V
― E então, foi isso? ― meu padrinho me perguntou.
Estávamos de volta a São Miguel. Estávamos em minha casa. Isadora sentada ao meu lado no sofá, ela estava com um vestido que deixava suas costas nuas. As cicatrizes em suas costas expostas. Eu sempre as olhava e sentia raiva. Raiva de mim por não ter finalizado um trabalho. Um trabalho que eu ainda iria finalizar.
O terceiro dia do ano começava, estávamos conversando sobre o que estivemos fazendo longe da cidade. John sorria para nós. Ele estava orgulhoso, mesmo que não dissesse. O equilíbrio devia ser mantido, era o que ele costumava dizer. Foi o que fizemos.
― E ele? ― John indicou o lado da mesa.
Olhei. Encarando-nos parado estava o mesmo cão que nos ajudou na luta com o vampiro. Ele parecia tranquilo. Eu estava curioso, o julgamento do outono já deveria ter cessado. Não era algo eterno, ele já deveria estar livre.
― Fada, ele... Não vai seguir? Digo, quando você realiza aquilo em um espírito, ele não recebe o fim que merece?
― Bem, já passou em muito do tempo limite. Vai ver o fim dele ainda não chegou. Ou o que ele merece é ficar. Ele parece gostar de você ― ela sorriu para o cachorro.
― Eu gosto dele. ― John comentou, levando a xícara de café a boca ― Mas eu acho que, se ele vai ficar, ele precisa de um nome.
― Led ― eu respondi de prontidão.
― Led será, então ― John concordou. ― Aliás, feliz aniversário, moleque.
― Ah, verdade. Com tudo isso, eu me esqueci do meu aniversário ― sorri.
― Nós não ― Isadora levantou e abriu a geladeira.
Ela levou um pequeno bolo para a mesa. Cortou um pedaço e perguntou:
― O que você vai pedir?
Pensei por um instante, olhando-a.
― Quero conseguir trazer suas asas de volta. Eu vou fazer isso. É uma promessa lunar, feita por Jack Lunewalker.
Isadora me abraçou, sorrindo.

― Esse é um bom pedido ― John sorriu ― Um presente para alguém com quem você se importa. Isso é bonito.