Era uma quarta-feira à noite. A chuva do lado de fora
impedia que as pessoas saíssem. Isso e a minha presença naquela festa. Afinal,
não é sempre que temos um detetive prendendo pessoas em uma festa.
Os mais ingênuos devem estar se perguntando o que estive fazendo
ali. Já os mais espertos notaram que a festa tornou-se cena de um crime e o
culpado estava ali, contido por minha mão. Meu trabalho era de encontra-lo para
que fosse julgado e levado à corte.
Bem, antes que eu discorra sobre como o encontrei — por que
é obvio que o fiz, por que, de outra maneira, não estaria escrevendo sobre isto
— devo apresentar-me.
John L. Walker. Detetive, canalha e amante das sinfonias de
Beethoven.
Esta é a primeira vez que imito o habito do amigo de meu
antigo professor, o Dr. Watson. Digo, Dr. Watson era o amigo de meu professor e
não o contrario. Sim, estudei com Sherlock Holmes, que relutou arduamente a me
ensinar como funcionava seu processo lógico. E no final, sua relutância não
passou de um teste para ver até onde eu estaria disposto a ir.
Bem, deixando meus tempos de jovem — como se eu fosse muito
mais velho agora — com meu tutor e focando-me em meu caso. Ou não.
Foi lendo um dos relatos do Dr. Watson que a necessidade em
transcrever minhas ações se fez necessária. Pareceria bobagem para aqueles que
não entendem da dedicação aos detalhes do Prof. Holmes, mas escrever nossos
casos é a melhor maneira de consulta-los se um dia fosse necessário e a memoria
não pudesse ser confiada por inteiro.
Munido de penas e papel, diverti-me escrevendo alguns casos simples
que ocorreram em minha adolescência e que me fizeram escolher este caminho para
trilhar durante toda a vida.
Enquanto finalizava um dos relatos, por volta do meio dia, a
campainha tocou e o caseiro trouxe-me um jovem de aparência peculiar e, ao
mesmo tempo, familiar.
O cabelo cortado em forma de cuia e a pouca barba que tinha
eram de uma coloração acobreada e trazia consigo — por mais indevido que a
etiqueta permitia — um rato em torno dos ombros largos.
— Bom dia cavalheiro — comecei — permita-me que lhe peçam um
chá ou alguma outra bebida. Devo pedir algo para seu pequeno companheiro?
— Não, obrigado. Peço apenas à permissão de me aquecer um
pouco a frente de sua lareira — solicitou ele
— Mas é claro que sim, senhor — indiquei-lhe a poltrona ao
lado a minha onde alguns livros pesavam sobre o assento.
Não se demorou mais do que alguns segundos para que ele,
energicamente, os tirasse dali e acometesse-me com mais um ato de sua
peculiaridade.
Ao contrario do esperado, ele deixou o rato recair sobre o
assento e sentou-se no chão a frente da poltrona. Tais atos aguçavam cada vez
mais a minha vontade de saber o que ele viria tratar comigo.
— Perdoe minha falta de tato, Sr. Walker — disse ele — A
cortesia de um primeiro encontro requer uma apresentação formal. Sou Charles
August III, herdeiro da casa do Dr. August.
— Creio... — comecei hesitante sobre a informação — que já
ouvi falar sobre seu avô.
Virei-me aos arquivos da estante e procurei pelos jornais
recentes. Passei a coleciona-los em sugestão do Dr. Watson.
— Aqui está: Dr. Sean August; morre aos 53 anos, causas
naturais.
— Precisamente.
— Receio que eu deva-lhe informar previamente que não sou
medico e, assim, não poderei ajuda-lo caso exista alguma suspeita de que as
causas não sejam naturais.
— Oh! Não senhor, não é sobre meu avô sobre que vim tratar.
— Perdão?
— Estou aqui para tratar sobre um telegrama que recebi há
alguns dias. Sobre uma festa que darei na noite que se aproxima. — ele
respondeu, acariciando o rabo do rato que repousava sobre seu ombro. O rabo e
não o rato, este ainda estava sobre o assento.
Curioso como um rato poderia comportar-se daquela maneira,
perguntei:
— Com licença, antes que prossiga com o caso, como treinou
este rato?
— Perdão? Oh, Ulisses não é um rato treinado, senhor. Ele
simplesmente me atende como a um amigo. Gosta de minha companhia e eu da dele.
— explicou-me.
— Bem, devo dizer que é um rato de caráter singular.
Gostaria que as pessoas fossem, também, simples desta maneira. — confessei meu
desejo sobre a humanidade de maneira espontânea. Não sei o que me fez dizer
aquilo, mas disse e, tentando retomar o assunto inicial, continuei — O que
dizia o telegrama?
— Eu o trouxe comigo, senhor. Para caso eu esquecesse algum detalhe
que pudesse lhe ser importante. A fama de seu professor o precede e é esperado
que o aluno possuísse os mesmos costumes.
— Bem, agradeço o voto de confiança, mas devo dizer que não
estou nem próximo do poder de dedução do prof. Holmes. — respondi, sentindo o rosto
avermelhar pela comparação que me fora feita. — Deixe-me ver o telegrama.
Ele tirou do bolso do paletó um pequeno papel de cor
amarelada e bordas amassadas, provavelmente pelo manuseio constante
impulsionado por sua preocupação. Havia apenas umas poucas palavras ali:
“Em sua festa, cairá
aquele que a mão brilhar”.
Passei longos minutos observando aquela mensagem, tentando extrair
dela mais informação que poderia. Mas nem mesmo com toda a minha concentração,
obtive sucesso nesta tarefa. E, enfim, prossegui:
— Bem, está claro que sua festa será o cenário de um
assassinato, onde aquele que portar um anel brilhante será o alvo e que o
assassino está entre os convidados, os empregados ou até mesmo o senhor. —
parei por alguns segundos, encarando a expressão de pânico do jovem a minha
frente e prossegui — Mas é claro que se o senhor fosse o assassino não estaria
aqui, pedindo a resolução do mistério. O que sobra os convidados e os
empregados.
— Mas que horror! O que será preciso fazer? — perguntou-me
ele, tomando nas mãos o roedor que o acompanhava.
— Seria preciso manter todos juntos em um único local, o
salão onde a festa acontecerá parece-me bastante eficaz para isso, e a minha
presença. Precisarei estar presente para examinar todos os membros ali. —
respondi — E oh, se quase tudo der certo, o assassinato será evitado; se não,
será apenas um pequeno problema a ser enfrentado para encontrar o matador.
— Meu deus, senhor! Não tem pena do possível defunto?
— Meu caro Sr. August, parece-me que o assassino não é um novato
no que está para fazer e é preciso que certos sacrifícios sejam feitos para
poupar o futuro. Pelo bem da maioria, é preciso que um mínimo seja sacrificado.
— O que diria o bom Sherlock sobre sua conduta?!
— Indignar-se-ia com minhas palavras, mas saberia que estou
certo. “Eu uso a cabeça e não o coração” foi o que ele disse certa vez em outro
caso.
— Deus!
— Mas não se preocupe, assim como ele prezo pela vida humana
e farei o possível para manter todos os seus convidados vivos.
Algumas horas mais tarde, eu estava sentado à mesa
observando os sete convidados de meu cliente. Nenhum deles possuía ornamento
algum em suas mãos, o que dificultou um pouco o meu trabalho, mas a calma recompensa
àqueles que observam atentamente.
Um dos mais velhos ali presentes, diria que com 43 anos pelo
pesar de suas rugas no rosto e as olheiras profundas, andava com dificuldade e
com o auxilio de uma bengala. Ela sim estava ornamentada por um apoio de prata,
que era acompanhado pela mão dele constantemente. Assim, sua mão brilhava por
entre os dedos.
Não era tão obvio quanto um anel, a parte interna da mão
brilhava e não a externa como eu havia deduzido anteriormente.
Mantive-me próximo a ele por todo o tempo que me foi
permitido, mas minha paixão pela nona sinfonia distraiu-me por alguns instantes
e acabei perdendo-o de vista.
Um grito alertou a todos que algo estava errado, claramente
o grito do homem a quem eu deveria estar vigiando. Apressado — e tropeçando em
meus próprios pés — subi as escadas e encontrei o senhor derrubado no chão, a
bengala a seu lado e um segundo homem avançando sobre ele com um cutelo de
açougue.
Afoito, peguei a primeira coisa que minha mão alcançou e
arremessei-a contra ele. Por sorte, minha mira sempre foi algo a que eu pudesse
gabar-me de possuir e o atingi no peito com... Uma cebola.
O impacto não o atordoou, mas o susto de ver uma cebola voando
em sua direção sim. Deixou o cutelo cair e hesitou por um momento, o que me foi
suficiente para impedi-lo em sua fuga.
Minutos mais tarde, com todas as pessoas da casa reunidas,
eu havia amarrado o homem em uma cadeira e esperava pela força policial. Era um
assassino e precisava ser preso.
Ou isso que eu pensava ser.
— Ora, ora, ora... Walker — o bandido começou — Parece-me
que você aprendeu bem com Holmes.
— Hun? — hesitei — Como conhece meu professor?
— Ora, todos o conhecem! — ele respondeu rindo —
Principalmente quem trabalhou com ele.
— Prossiga.
— E apesar de ter aprendido bem, sua memoria o trai, meu
jovem. — ele disse e por um instante esteve em silencio, esperando que eu
dissesse algo, como não o disse, ele prosseguiu — Ora! Não se recorda do homem
que o levou até Holmes?! Não se recorda nem mesmo do pequeno August, que foi
seu amigo antes de começar a estudar?
As informações vinham a meus ouvidos e, também, vagas lembranças
dos meus tempos de criança. Coisas que achei ter esquecido.
— Então... O caso...? — comecei
— Mais um teste de Holmes para você. Seu teste final. —
admitiu ele — Você passou em saber quem seria a vitima e, ofendido digo que,
falhou em lembranças pessoais. Não recordar de alguém tão singular quanto
August que sempre andou com o rato em suas mãos? Insultante.
— Devo pedir desculpas? Não... Não devo — murmurei para mim
mesmo — Bem, transmita meus cumprimentos a Holmes e diga que ele continua um gênio...
Aquela noite me foi o final de um longo aprendizado. Uma ultima
lição de Sherlock Holmes.
É preciso que notemos todos os detalhes, mas também devemos
lembrar-nos de coisas antes de focarmos em casos. Às vezes, nosso passado volta
para uma visita. Como o que me aconteceu.
Oi, estava passando no blog da Karen, vi o seu, me interessei e resolvi dá uma passadinha, já tô seguindo, segui de volta? O conto ficou lindo, foi vc que fez? O vc pegou de algum livro do Holmes?
Olá J.A, agradeço o comentário. E sim, foi eu quem escreveu esse conto. (y)
(Seguindo seu blog também)