Um novo dia, um novo emprego, uma nova vida, um novo começo, uma nova casa e uma antiga parceira de contas!
É, estou escrevendo outra vez – mas agora profissionalmente – e estou de mudança. O prédio do meu antigo apartamento fora condenado. E estou voltando para a capital, levando minhas – poucas – coisas para o novo apartamento. Nada que seja muito difícil de levar. Mas os ônibus são horríveis... Fiz uma viagem péssima, a melhor parte foi que acabou.
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O ônibus. |
Ah sim! Esqueci-me de lhes dizer, eu estou indo morar com minha amiga Duda. Como nos tempos de faculdade, mas agora estamos fora dela há muito tempo – embora igualmente quebrados.
Entendam, formei-me em filosofia e ela em psicologia. Não são cursos que nos ofereceram opções muito grandes de trabalho, embora ela esteja um pouco melhor do que eu. Vejamos por esse lado, ela tem um emprego fixo... Ou quase isso, sinceramente, eu só sei que ela trabalha com lunáticos. Mas nenhum deles é tão louco quanto eu, isso eu garanto.
Ela estava atrás de uma pessoa para dividir o apartamento (entenda-se as contas) com ela. E eu estava mesmo precisando de alguém para cuidar de mim em meus problemas mentais (ou me conceder consultas gratuitas, se preferirem acabar com minha sutileza).
A Duda é uma baixinha legal (e quando eu digo baixinha, é baixinha mesmo! Ter 1,50m de altura não é muita coisa não!), esperta e bonita. A morena que todo cara um dia procura ter para si. No meu caso, eu a tenho. Como melhor amiga e consciência, mas tenho.
***
Após sair da rodoviária e tomar dois ônibus errados, consegui chegar ao lugar. Ao tocar a campainha três vezes, por mero costume de origem desconhecido, uma Duda descabelada me atendeu. Não sei se a noite tinha sido boa ou se ela só estava com sono.
– E aí minha baixinha, saudades? – sorri, jogando sobre ela uma de minhas mochilas.
– Você chegou tarde e...
– Ah, sabe que o tempo é meu maior inimigo! – interrompi-a, evitando o sermão – E pegar ônibus nunca foi meu maior talento...
– Sei... Entra, vou te mostrar seu quarto.
Era um apartamento pequeno, mas até que confortável. A sala era em conjunção com a cozinha, divididas apenas por um balcão, e nela havia dois sofás rubros, uma velha poltrona, uma pequena mesa de centro entre um dos sofás e a televisão. E cortinas laranja ocultavam as janelas... Nunca gostei de laranja.
– Duda, por que essas coisas nas janelas?
– Chamam-se cortinas, servem pra... Pra... Pra enfeitar o lugar.
– Ah qual é! Eu vou tocar fogo nelas um dia, já te deixo avisada.
Ignorando meus avisos sobre minhas tendências piromaníacas, ela me mostrou meu novo quarto, um aposento simples. Uma cama, um armário, um ventilador de teto... E as malditas cortinas laranja!
– Certo... – deixando meu instinto falar mais alto, eu arranquei as cortinas de lá e as entreguei a ela. – Odeio laranja...
– É... Eu tinha esquecido. – ela disse – Olha, fique a vontade. Eu tenho que me arrumar pra ir para o consultório.
– Tudo bem minha linda... – respondi sem me virar, jogando as roupas da minha mochila no armário. – Perfeito. – murmurei para mim mesmo, despindo-me, pouco antes de me jogar sobre a cama e adormecer.
***
Meu sono sempre foi conturbado, mas dessa vez foi bem tranquilo. Acordei com o cheiro de pizza e os ruídos de pessoas andando pela casa. Levantei-me de um salto e apanhei a primeira coisa que minha mão fora capaz de alcançar em meio à escuridão do quarto. Meu violão.
Aos tropeços saí para a sala e encontrei o lugar vazio.
– Alguém aí? – perguntei para o escuro.
– Não! Pode ir dormir outra vez. – uma voz vinda da direção do sofá respondeu.
– Ah, tudo bem então. – disse, baixando o violão – Só não mexam muito no sofá, eu estava brincando de atrair ratos... Para ver se assustava a Duda. – completei pouco antes de um grito ensurdecedor me fazer virar de súbito, erguendo outra vez o violão. – Eu sabia! Saiam daí, sabem que não gosto de surpresas!
– Desculpe Luigi, mas ela insistiu. – ouvi a voz de Matt atrás das horríveis cortinas.
– Que história é essa de ratos?! – ouvi a Duda gritar – E por que você está seminu no meio da sala?
– Não gosto de dormir com roupas. É estranho – respondi – E relaxe, eu parei quando lembrei que ratos não gostam de queijo... Eles preferem amendoim, tem bom gosto sabe.
Eu teria permanecido de cueca o restante da reunião com o pessoal, mas me obrigaram a vestir uma calça. Frescos.
O pessoal todo estava lá. Matt, Vitor, Jenny, Richard e mais a pancada de amigos que tínhamos na faculdade. Galera divertida. Não sei se foi para me verem ou para comer pizza de graça... Aposto que a segunda opção, eu faria isso.
– Como foi à viagem cara? – Vitor me perguntou em algum momento entre a pizza e a vodca.
– A melhor parte foi ter acabado. – respondi, com a boca cheia de queijo da pizza. – Tinha uma velha que não calava a boca do meu lado... Se eu ouvir falar de alguma coisa que aconteceu antes da década de 50 outra vez, eu juro que mato alguém!
– E... Como você não foi expulso do ônibus? – Matt perguntou
– Quem disse que não fui? Isso foi no primeiro ônibus. – respondi, com um sorriso psicopata no rosto – Fui expulso por agressão verbal a velha e ao motorista que tentou apartar meu pequeno acesso. O segundo ônibus foi mais calmo, mas não tinha luz para que eu pudesse ler coisa alguma.
– Bem a sua cara mesmo. – riu Duda
– É como eu dizia no passado: “Antes um bom café na mão do que um saco de balas na cara”.
– O que tem haver com o assunto? – ela perguntou. Fraca.
– Quem disse que eu diria algo que teria haver? Parece até que não me conhece...
É bom estar de volta. Só preciso me lembrar de quais ônibus tenho que pegar e que tenho que estar cedo no escritório da revista. Cedo é lido aqui como “após o meio-dia”. E também tenho que lembrar que as cortinas não devem ser incineradas... Vai ser difícil.
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As cortinas... Breve, em chamas. |