17 de agosto de 2013

Conto do Luneverso ― Sangue

A casa de shows.
O lugar estava cheio, mesmo para um pequeno bar underground no subúrbio. Não era como o Princesa, aonde caçadores e a escória ia para beber e discutir, aquela casa de shows era um local onde os jovens ― que não conseguiam entrar no Princesa ― iam para ouvir música e reclamar de suas vidas. Alguns poucos poderiam estar no Princesa, mas preferiam ir até ali. Alguns gostavam de suas presas em locais em que pareciam quando não eram o que agora eram.
Aquela garota entrou naquele lugar e nem sabia onde estava se metendo. Talvez ela se arrependesse ao final da noite, mas pode ser que não. Não se deve tomar como fatos o que são apenas especulações.
Ela era por falta de definição melhor, a “ovelha negra” de sua família. Discutia com todos sobre tudo. Ela possuía algumas tatuagens, feitas para irritar o pai, e um piercing no lábio e outro na língua. Seu cabelo era comprido e do negro ia tornando-se um roxo escuro. A maquiagem negra. Vestia-se, em geral, com uma longa saia negra e botas de couro. Camisetas variadas de bandas escondiam seu busto avantajado. Essa era Cecille.
Cecille não conseguia manter-se longe de confusão. Ela dizia que a confusão pertencia a ela, como uma amante insaciável. Naquela noite, ela veria que na verdade era o contrário.
Sua pele era pálida, destacando os cabelos e olhos negros. As orelhas expostas através dos cabelos eram pontudas, assim como os caninos que se mostravam através de seu sorriso sedutor. Ele vestia uma camisa de flanela vermelha e um jeans escuro e rasgado. A gola levantada escondia seu pescoço, mas ela sabia que isso não era algo leviano, ele escondia a cicatriz da mordida que levara. Ele a estava olhando enquanto, do alto do palco, tocava seu baixo cor-de-sangue.
O ritmo era calmo, o baixo estava mais destacado do que os outros instrumentos, e Cecille estava sentada no balcão. Quando a música terminou, ela se virou para o palco e viu os músicos descendo. Eles não agradeceram a presença do público, apenas desceram. O garçom serviu-lhe uma bebida, disse apenas “cortesia de alguém”. Era uma bebida estranha, parecia vinho, mas era mais doce. Lembrava o gosto ferro, mas também poderia ser vodca, quem saberia?
Instantes depois alguém sentou ao seu lado. Era o baixista que havia visto antes.
Ele sorriu.
Ela desviou os olhos para a bebida e, involuntariamente, tirou o cabelo do rosto para que ele a visse. Ela não tinha intenção alguma de deixar que ele a tocasse.
― Oi ― a voz dele era grave e rouca, pronunciada quase num sussurro. ― Que acha dessa bebida?
Ela permaneceu em silêncio. Estava ruborizada.
― Bem, agradeça-me.
Ela o olhou e sussurrou um fraco “obrigada”.
Não era comum ela estar assim, em geral era ela quem “atacava”, mas ele tinha alguma coisa que a fazia recuar. Ele flertava, ela estava parada.
O silêncio foi interrompido pelo toque suave de um baixo, a próxima banda começara a tocar. Ele se levantou e saiu dali, ela o seguiu. Estavam no beco.
― Eu sabia que viria... ― ele sussurrou para si mesmo sem se virar.
Ela tocou-o em seu ombro. Ele se virou. O sorriso alargou-se, exibia os caninos pontiagudos. Ela o beijou.
Guiou-a até a parede e o beijo intensificou-se. Ela sentiu o calor tomar seu corpo, mas o dele ainda era frio. Como se não estivesse vivo. Durante o beijo, ela sentiu as mãos dele percorrerem seu corpo. Eles se separaram.
― Você quer mais? ― ele perguntou e sem esperar, tornou a beija-la.
Eles voltaram a se separar, ela mordeu o lábio dele. Ele tomou aquilo como um sinal e encostou seus lábios sobre os dela e, aos poucos, fez sua boca percorrer o pescoço da garota. E então ela sentiu uma dor aguda, os dentes dele cravaram-se sobre sua pele e afundavam sobre sua carne, fazendo-a sangrar.
Ela sentiu-se fraca, o sangue era sugado lentamente e suas forças se esvaiam.
Ela caiu. Ele permaneceu em pé.
Ele abaixou-se, próximo a ela. Limpou o sangue que escorria de sua boca com a manga da camisa e disse:
― Garotinha... Deveria saber que não se devem aceitar coisas de estranhos. ― ele tocou-a no rosto ― Ainda mais se esse estranho vier do submundo. Sangue de vampiro te faz fazer coisas que não está acostumada... E, sinceramente ― ele lambeu os próprios lábios ―, seu sangue nem era tão bom, ao menos tinha o meu para deixar mais... Apetitosa.
Ele deixou-a ali.
Ela sentiu as lágrimas correrem por seu rosto e o sangue morno continuar a escorrer pelo pescoço. Ela nem ao menos sabia o nome de seu assassino. Estava morrendo.
Mas será que a morte era assim?

O certo, é que, seu corpo não estava mais ali quando amanheceu. E ninguém havia ido até aquele beco escuro.

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