A casa de
shows.
O lugar estava
cheio, mesmo para um pequeno bar underground no subúrbio. Não era como o
Princesa, aonde caçadores e a escória ia para beber e discutir, aquela casa de
shows era um local onde os jovens ― que não conseguiam entrar no Princesa ― iam
para ouvir música e reclamar de suas vidas. Alguns poucos poderiam estar no
Princesa, mas preferiam ir até ali. Alguns gostavam de suas presas em locais em
que pareciam quando não eram o que agora eram.
Aquela garota
entrou naquele lugar e nem sabia onde estava se metendo. Talvez ela se
arrependesse ao final da noite, mas pode ser que não. Não se deve tomar como
fatos o que são apenas especulações.
Ela era por
falta de definição melhor, a “ovelha
negra” de sua família. Discutia com todos sobre tudo. Ela possuía algumas
tatuagens, feitas para irritar o pai, e um piercing no lábio e outro na língua.
Seu cabelo era comprido e do negro ia tornando-se um roxo escuro. A maquiagem
negra. Vestia-se, em geral, com uma longa saia negra e botas de couro.
Camisetas variadas de bandas escondiam seu busto avantajado. Essa era Cecille.
Cecille não
conseguia manter-se longe de confusão. Ela dizia que a confusão pertencia a
ela, como uma amante insaciável. Naquela noite, ela veria que na verdade era o
contrário.
Sua pele era
pálida, destacando os cabelos e olhos negros. As orelhas expostas através dos
cabelos eram pontudas, assim como os caninos que se mostravam através de seu
sorriso sedutor. Ele vestia uma camisa de flanela vermelha e um jeans escuro e
rasgado. A gola levantada escondia seu pescoço, mas ela sabia que isso não era
algo leviano, ele escondia a cicatriz da mordida que levara. Ele a estava
olhando enquanto, do alto do palco, tocava seu baixo cor-de-sangue.
O ritmo era calmo,
o baixo estava mais destacado do que os outros instrumentos, e Cecille estava
sentada no balcão. Quando a música terminou, ela se virou para o palco e viu os
músicos descendo. Eles não agradeceram a presença do público, apenas desceram.
O garçom serviu-lhe uma bebida, disse apenas “cortesia de alguém”. Era uma bebida estranha, parecia vinho, mas era
mais doce. Lembrava o gosto ferro, mas também poderia ser vodca, quem saberia?
Instantes
depois alguém sentou ao seu lado. Era o baixista que havia visto antes.
Ele sorriu.
Ela desviou os
olhos para a bebida e, involuntariamente, tirou o cabelo do rosto para que ele
a visse. Ela não tinha intenção alguma de deixar que ele a tocasse.
― Oi ― a voz
dele era grave e rouca, pronunciada quase num sussurro. ― Que acha dessa
bebida?
Ela permaneceu
em silêncio. Estava ruborizada.
― Bem,
agradeça-me.
Ela o olhou e sussurrou
um fraco “obrigada”.
Não era comum
ela estar assim, em geral era ela quem “atacava”, mas ele tinha alguma coisa
que a fazia recuar. Ele flertava, ela estava parada.
O silêncio foi
interrompido pelo toque suave de um baixo, a próxima banda começara a tocar.
Ele se levantou e saiu dali, ela o seguiu. Estavam no beco.
― Eu sabia que
viria... ― ele sussurrou para si mesmo sem se virar.
Ela tocou-o em
seu ombro. Ele se virou. O sorriso alargou-se, exibia os caninos pontiagudos.
Ela o beijou.
Guiou-a até a
parede e o beijo intensificou-se. Ela sentiu o calor tomar seu corpo, mas o dele
ainda era frio. Como se não estivesse vivo. Durante o beijo, ela sentiu as mãos
dele percorrerem seu corpo. Eles se separaram.
― Você quer
mais? ― ele perguntou e sem esperar, tornou a beija-la.
Eles voltaram
a se separar, ela mordeu o lábio dele. Ele tomou aquilo como um sinal e
encostou seus lábios sobre os dela e, aos poucos, fez sua boca percorrer o pescoço
da garota. E então ela sentiu uma dor aguda, os dentes dele cravaram-se sobre
sua pele e afundavam sobre sua carne, fazendo-a sangrar.
Ela sentiu-se
fraca, o sangue era sugado lentamente e suas forças se esvaiam.
Ela caiu. Ele
permaneceu em pé.
Ele
abaixou-se, próximo a ela. Limpou o sangue que escorria de sua boca com a manga
da camisa e disse:
― Garotinha...
Deveria saber que não se devem aceitar coisas de estranhos. ― ele tocou-a no
rosto ― Ainda mais se esse estranho vier do submundo. Sangue de vampiro te faz
fazer coisas que não está acostumada... E, sinceramente ― ele lambeu os
próprios lábios ―, seu sangue nem era tão bom, ao menos tinha o meu para deixar
mais... Apetitosa.
Ele deixou-a
ali.
Ela sentiu as
lágrimas correrem por seu rosto e o sangue morno continuar a escorrer pelo
pescoço. Ela nem ao menos sabia o nome de seu assassino. Estava morrendo.
Mas será que a
morte era assim?
O certo, é
que, seu corpo não estava mais ali quando amanheceu. E ninguém havia ido até
aquele beco escuro.