14 de agosto de 2012

Conto — Prenúncios.



Podia se ver ao longe, naquele terreno, os corpos caídos, em meio ao próprio sangue, e um rapaz de longos cabelos negros, parado próximo a eles, segurando uma longa faca, cuja lamina refletia o brilho da lua. Sua respiração estava cansada, ele enxugou o suor da testa com a manga da jaqueta antes de tirá-la e amarrá-la na cintura.
Largando a faca, ele sentou-se no chão e encarava a lua, ouvindo apenas o silencio da noite, interrompido apenas pelo cricrilar dos grilos. E por um longo momento, ele descansara perdido em meio a seus pensamentos sobre sua vida — perguntando-se se algum dia iria poder descansar junto a seus iguais ou se um dia poderia não fazer mais o que fazia —. Ele ficou ali parado até ouvir um uivo distante e o som de asas, seguido por dois baques leves na terra macia, que sucederam ao som de passos e uma respiração tranquila, mas ainda assim sonora.
— Já faz algum tempo... — ele dissera, levantando-se para encarar aquele que, agora, o fazia companhia. — Velho amigo.
— Realmente faz Jack. — respondera-o. — Um bom serviço aqui com... O que são “isso”?
— Fomores, James, fomores. Todos eles... — esclareceu Jack — Incrível o numero de homens que tem vendido as próprias almas ultimamente...
A figura a sua frente era de um rapaz jovem, mas ainda assim mais velho do que ele, de cabelos negros curtos, o que contrastava em sua pele alva. Havia uma fina cicatriz na bochecha do lado esquerdo, assim como um semblante entristecido; e seus olhos eram de um azul-elétrico tão intenso que muitos diriam estar vendo suas almas refletidas neles. Ele vestia uma camiseta regata negra, deixando os braços livres para movimento — e no braço esquerdo, um crucifixo estava tatuado —, com uma calça marrom caqui comprida e botas de couro, também marrons.
— Como me achou? — perguntou. — Há muito não me procura.
— Você não é difícil de encontrar, só preciso seguir o primeiro rastro de energia lunar e logo encontro um lugar empesteado de sangue. — esclareceu o rastreador.
— H-eh. Esse sou eu... — riu-se ele.
A poucos metros dos dois uma terceira silhueta estava parada, de costas para eles, e, apesar de oculta pelas sombras, era possível notar que se tratava de uma mulher. Ela trajava uma longa capa de viagem, enfeitada com penas negras, vestindo também o capuz, protegendo a cabeça do vento noturno.
— Quem é ela? — indicou o vulto com um aceno de cabeça, sem desviar a os olhos daquele que estava a sua frente.
— Não há nada ali, Jack... — disse o amigo, sorrindo — Apenas sombras. — Ele começou a caminhar lentamente, por entre os corpos ensanguentados, e Jack o seguia de perto.
— Eu juro ter vist... — ele começara, mas fora interrompido por um novo farfalhar de asas, próximo a onde estava o vulto e agora, havia apenas uma ave. — Apenas um pássaro... Acho que o cansaço está me fazendo ver coisas...
— Nem tudo que há nas sombras é para ser temido, parceiro. — ouviu o amigo dizer, à frente — Até o corvo mais negro ainda reflete a luz em seus olhos.
Jack sorriu de lado ao ouvir aquilo. Há algum tempo ele não ouvia as rotineiras frases feitas do amigo, eram boas, em sua maioria, mas ele não conseguia conter o sorriso sarcástico. “Frases de caminhão” fora o apelido que ele dera a elas.
— O que ainda faz aqui, James? Achei que havia sido perdoado. — Jack perguntara curioso, tirando do bolso o isqueiro metálico e, em seguida, acendendo um cigarro.
— Eu escolhi ficar. Não gosto do que Mikael está fazendo por lá... Ele tem se tornado cada vez mais parecido com nosso velho amigo... — ele respondera, erguendo o olhar para o céu estrelado antes de confessar seu receio. — Temo que ele esteja trilhando a mesma estrada.
— Eu sempre disse que ele não prestava. — lembrou Jack — Sabe como é, filho mais velho quando o pai sai e deixa no comando... Ele ia surtar mais cedo ou mais tarde. Poder demais nas mãos de qualquer um faz isso.
— Acho que tem razão. — eles ficaram em silêncio por um longo tempo até Jack se pronunciar. — Mas Mikael não é qualquer um...
— E o que sugere que façamos? — perguntou ele após um longo trago de seu cigarro. — Caçá-lo?
— Não. — ele respondeu, voltando o olhar para Jack — Mesmo que seja essa minha vontade, nem mesmo nós dois seriamos suficiente para dar conta dele.
— Então?
— Agora devemos nos preparar... Preparar para o que está por vir. — respondeu ele.
— Estarei pronto quando for preciso. Você pode dar jeito nos corpos por mim? — ele pedira. — Não quero ser seguido... Nem mesmo por você.
— Claro. Você precisa de descanso, meu amigo.
Em um aceno de cabeça Jack concordara com o amigo e, jogando o cigarro fora, ele recolheu a faca que ainda estava no chão. Apesar da escuridão ele jurava ter visto James, o homem mais triste que um dia pensou em conhecer, sorrir antes de se despedirem.
Ele começara a andar pela encosta da rua, mas não sem antes ver — ou imaginar ter visto — James conversar com alguém nas sombras. As mesmas sombras onde vira o vulto desaparecer no ar. Nenhum dos dois sabia, mas eles se veriam em breve... Tão breve quanto a Lua se encontraria com o Sol.

Um comentário:

  1. Esperando por uma continuação, hein! Muito bom texto, soube prender o leitor à temática soturna sem ficar chato. Assim que se faz!

    ResponderExcluir