O dia
começou bem para mim. E com “bem” entenda-se com uma ressaca filha da mãe.
Acordei
no chão, eu havia deitado no sofá para dormir, em meio à papelada que havia se tornado
parte do chão do meu apartamento. Eu estava babando em um antigo conto que havia
escrito meses atrás. A ultima coisa decente que escrevi antes de tudo ir pelos
ares.
–
Levante desse chão William. – ouvi a mesma voz de ontem dizer.
– Está
tão quentinho aqui... – respondi, pondo-me de pé lentamente, para evitar
movimentos bruscos e agravar a dor de cabeça. – Então você não é uma alucinação
criada pela minha mente, influenciada pelo álcool barato?
–
Não. – ela sorrira. – E você também não é louco.
–
Lendo minha mente assim, até acho que devo ser. – respondi, desabando sobre o
sofá. – E devo estar ficando bom em alucinar... Nunca tive visão tão bonita
quanto essa.
–
Eu me sentiria lisonjeada se pudesse. – ela não fazia muito sentido, mas que
era bonita era... E só agora eu conseguia perceber o quanto.
–
Quem é você?
–
Eu já disse. Sou uma amiga.
– E
por que alguém que parece tão legal, tão pura e tão gentil, seria amiga de um
cara como eu? Não vê que sou um caso perdido?
–
Não acho que seja um caso perdido... Sou um caso pior do que você acha que eu
poderia ser. – ela sorria tristemente
–
Ah é? Eu duvido muito. – respondi – Clara... É Clara, não é? Olha, é muito bom
saber que alguém se importou comigo noite passada, mas você não tem alguém
melhor para ir ver? Alguém que realmente valha a pena?
–
Você vale a pena. – ela me olhava, aquele olhar... Não sei como explicar aquele
olhar, me faltam palavras. – Eu preciso que você valha a pena.
–
Precisa? – eu estava confuso. Não é legal fazer um cara de ressaca pensar tanto
– Por que precisa? E por que eu?
–
Talvez eu te conte... Quando estiver em melhores condições do que agora. – ela
respondera, virando-se – Usarei seu banheiro. Preciso de um banho.
– Eu
não tenho água quente. E está frio... Eu não recomendaria um banho agora.
–
Não me importo com a temperatura da água.
–
Você é realmente estranha, sabia?
– E
você deveria trabalhar... As contas não se pagam sozinhas.
–
Eu sei disso... Mas se não fosse por você, hoje isso já não seria mais um
problema.
–
Seria de alguém. E eu não me arrependo de ter te impedido de fazer uma bobagem.
Ela
me deixou na solidão da sala.
Tentei
preparar café, para acabar com minha dor de cabeça, devo dizer que falhei
miseravelmente. Mal consegui chegar até a pia da cozinha para vomitar. O cheiro
ficou horrível, se não estava agradável para mim, imagine para uma mulher como
ela.
Eu podia
ouvir o chuveiro ligado. Pensei comigo “Preciso
limpar isso... Deixar, apresentável”. Enquanto o chuveiro estivesse fazendo
barulho, eu tinha tempo para limpar aquela bagunça.
Era
estranho pensar que a opinião dela sobre algo em mim, ou minha casa, me
preocupava... Nenhuma mulher antes tinha feito isso. Será que isso era aquilo
sobre o que vivi escrevendo sem jamais ter sentido? Será que isso é o que
chamam de amor?
Nah,
eu duvido. Amor demora a acontecer, é preciso de muito mais coisas para que ele
funcione. A ideia que o amor nos trás é diferente do que isso... Deveria ser
apenas uma questão de amizade. Sim, isso explicaria!
– Você
deveria tirar a chaleira do fogão. – ouvi a voz de Clara as minhas costas,
assustando-me.
–
Ai caramba! Não chegue assim de repente!
–
Desculpe Will.
– O
que disse?
– Desculpe?
–
Não, do que me chamou?
–
Will... Não posso?
–
Não é isso, é que... Faz alguns anos que ninguém me chama assim.
–
Deveriam chamar. – ela sorria – É mais simples e informal que William Benevides.
–
Eu nunca te disse meu nome. Como sabe?
–
Ouvi por aí.
–
Hum.
Tive
um dia ótimo. Como em muitos anos não havia tido. Nada de ruim me aconteceu,
nem meu editor me cobrara, nem o proprietário cobrou o aluguel. Até achei dinheiro
na rua! A presença de Clara estava tornando meu dia incrivelmente agradável.
Mas
como nada dura muito, o dia estava acabando. Estávamos novamente em meu
apartamento, comendo uma pizza que havíamos encomendado algumas horas antes.
–
Clara... – comecei.
–
Sim?
– Mesmo
que pareça que nos conhecemos há anos, me toquei agora de que estou andando com
uma estranha. – ela estava me encarando, e eu estava desconfortável com isso
pela primeira vez. –Pode me dizer sem enigmas ou enrolações?
–
Posso. – ela respondeu, fiquei por alguns segundos encarando meus joelhos antes
de perceber que ela esperava que eu perguntasse. Ela era uma mulher
interessante.
– Quem
é você?
–
Eu sou a Clara.
–
E?
–
Bem... Sou um anjo.
–
Um... Anjo? – arregalei meus olhos, não acreditava em bobagens como aquela, mas
ela não parecia estar brincando.
– Anja,
na verdade.
–
Achei que anjos não tivessem sexo. – brinquei.
– Por
que não teríamos? – ela me olhou, pela primeira vez, com uma expressão de severidade.
– Por
nada... Por nada. Desculpe. – tornei a encarar meu colo. – E por que uma anja
estaria andando com um cara como eu?
–
Por que estou aqui para ajudar você. – ela respondeu, voltando a sorrir com
simplicidade. – E você irá me ajudar.
–
Eu? Ajudar? Com o que?
–
Vá dormir Will. Você está cansado. – ela disse, repentinamente.
–
Mas...
–
Sem “mas” algum, apenas vá. – ela levantara-se, me expulsando do sofá e empurrando
até meu quarto. – Boa noite.
Não
entendi na hora, mas aquilo haveria de ter algum motivo... Decidi, por pura e espontânea
pressão, dormir um pouco. O dia seguinte seria trabalhoso.